Desde domingo (3) disponível no Amazon Prime Video, Casa Gucci (House of Gucci, 2021) quase colocou Jared Leto em um seletíssimo grupo: o dos atores que receberam uma indicação ao Oscar e ao Framboesa de Ouro — o prêmio de galhofa dado aos piores da temporada — pelo mesmo papel.
O primeiro a conseguir essa façanha foi James Coco, concorrente à estatueta dourada da Academia de Hollywood e ao chamado Razzie por O Doce Sabor de um Sorriso (1981), como ator coadjuvante. Na mesma categoria, mas entre as atrizes, Amy Irving foi distinguida por Yentl (1984). Pelo desempenho em Era uma Vez um Sonho (2020), Glenn Close completa o trio de notáveis.
Vencedor do Oscar de coadjuvante por Clube de Compras Dallas (2013), Leto disputou o troféu de coadjuvante do Sindicato dos Atores dos EUA, o SAG Awards, por Casa Gucci. Que valeu ao ator de 50 anos uma dupla indicação no Framboesa de Ouro: pior ator coadjuvante (acabou ganhando) e pior "combo na tela" — nesta última categoria, Leto dividiu a honra com "seu rosto de látex de 7 kg, suas roupas esquisitas ou seu sotaque ridículo".
Embora tenha sido lembrado em apenas uma categoria do Oscar, a de maquiagem e cabelos, até que Casa Gucci andou figurando nas principais premiações. No Bafta, por exemplo, chegou a concorrer aos troféus de melhor filme britânico e melhor atriz — Lady Gaga, também indicada no SAG Awards e no Globo de Ouro. Mas foi muito pouco glamour para um título que poderia ser o ápice de uma grande leva recente de ficções e documentários dedicada ao mundo da moda. Afinal, o veterano diretor Ridley Scott, hoje com 84 anos, fez desfilar um elenco de peso — além de Leto e Gaga, há Adam Driver, Al Pacino, Jeremy Irons e Salma Hayek — na reconstituição da história que levou ao assassinato do herdeiro da centenária grife italiana fundada em 1921, hoje uma marca avaliada em US$ 17,6 bilhões, segundo relatório elaborado em 2020 pela consultoria Brand Finance.
De 2009 para cá, houve pelo menos uma dezena de títulos sobre vida e carreira de um estilista famoso, como os franceses Coco Chanel e Yves Saint-Laurent, o italiano Gianni Versace, o britânico Alexander McQueen e o estadunidense Halston. Em geral, essas obras oferecem ao público a atraente mistura de glamour com sombras. Não raro os personagens precisam lidar com pressões externas (de preconceitos a prazos) e demônios interiores — e isso pode empurrá-los para uma vida errática, temperada por álcool, drogas, depressão e brigas com seus colegas e amigos.
Ou familiares, caso de Casa Gucci.
Trata-se do 26º longa-metragem do britânico Scott, que já fez de tudo no cinema — ficção científica existencialista (Blade Runner), aventura de capa e espada (Cruzada), comédia dramática (Os Vigaristas), terror espacial (Alien: O Oitavo Passageiro) — e concorreu quatro vezes ao Oscar. Em três oportunidades, disputou o prêmio de melhor diretor: pelo road movie feminista Thelma & Louise (1991), pelo épico romano Gladiador (2000), que acabou levando a principal estatueta, e pelo filme de guerra Falcão Negro em Perigo (2001). Perdido em Marte (2015) valeu ao diretor e produtor uma indicação na categoria de melhor filme.
Com roteiro assinado por Becky Johnston e Roberto Bentivegna, Casa Gucci é baseado no livro de Sara Gay Forden sobre a morte do empresário Maurizio Gucci (1948-1995) a mando de sua ex-esposa, Patrizia Reggiani. O filme começa mostrando os últimos instantes de vida da vítima (interpretada por Adam Driver), enquanto em uma narração em off Lady Gaga, no papel de Patrizia, saboreia cada sílaba pronunciada em uma paródia do sotaque italiano:
— It was a name that sound so sweet, so seductive. But the second name was a curse. (Era um nome que soava tão doce, tão sedutor. Mas o sobrenome era uma maldição.)
Aí a trama recua para 1970, na cidade de Milão, onde, primeiro, temos de entender que Driver, 38 anos, e Gaga, 35, vivem personagens na casa dos 22. Depois, uma festa à fantasia vai unir água e azeite. Patrizia é filha de uma lavadeira, nunca conheceu o pai biológico, trabalha na empresa de caminhoneiros do padrasto e diz que a leitura lhe dá dor de cabeça. Maurizio é o filho único de Rodolfo Gucci (Jeremy Irons), dono de 50% da Gucci, tem sempre um segurança por perto e carrega uma pilha de livros de Direito.
Os dois se casam, mas sem convidados do lado do noivo. É pela imprensa que o outro sócio da Gucci, o tio Aldo (Al Pacino), pai de Paolo (Jared Leto, fisicamente irreconhecível), que ele define como "um idiota", descobre o matrimônio.
Patrizia, Maurizio, Rodolfo, Aldo e Paolo: estão em cena os principais personagens de Casa Gucci, um filme sobre o mundo da moda que não sabe que roupa vestir.
Na narrativa, os gêneros — comédia, drama, romance, policial — oscilam de uma forma que não parece transição, mas indecisão. Na estética, Ridley Scott adota um estilo convencional, careta. Não há arroubos visuais, ao mesmo tempo em que, na trilha sonora, o diretor se permite alguns anacronismos interessantes: na cena do casamento, em 1972, toca Faith (George Michael), de 1987. Contudo, a certa altura até a seleção musical perde seu charme, soando como uma seleção aleatória de sucessos setentistas e oitentistas: Heart of Glass (Blondie), Blue Monday (New Order), Here Comes the Rain Again (Eurythmics).
No campo das atuações, é como se cada ator tivesse escolhido seu figurino sem combinar com os outros. Encontrando a hora do exagero e a da sutileza, Lady Gaga está impecável desde o momento em que Patrizia conhece Maurizio — o olhar dela quando ele revela sua identidade não deixa dúvida sobre a ambiguidade da personagem: está casada com o homem ou com o dinheiro? Perto da cantora de 1m55cm, Adam Driver empalidece — fica perdido em seu corpanzil de 1m89cm, subaproveita seu rosto longo. Jared Leto, por sua vez, agasalhou-se na caricatura do italiano brega, a todo instante jogando com as mãos e expandindo as palavras. E Jeremy Irons vestiu-se de Jeremy Irons, assim como Al Pacino vestiu-se de Al Pacino.
A ironia é que os personagens dos dois atores protagonizam o conflito com mais personalidade na trama. Aldo quer negociar com o mercado japonês e não vê com maus olhos a pirataria — "Qualidade é para os ricos. Se uma dona de casa de Long Island quiser a ilusão de possuir um item da nossa grife, qual o problema?". Rodolfo entende que a Gucci "não pode estar em shoppings, mas em museus". É um debate que espelha dilemas da própria produção cinematográfica, mas que logo é sobreposto. Ora pela relação de Patrizia com a vidente Pina Auriemma (Salma Hayek), que puxa o filme para a comédia nonsense, ora pelas operações policiais ligadas a sonegação de impostos, evasão de rendas e direitos sobre marca, puxando o filme para uma pegada investigativa que mal arranha a superfície, ora pelo célebre desfile de Tom Ford em 1995, que sugere uma puxada para temas como audácia criativa e aposta no luxo, características do estilista texano que revitalizou a grife, mas eis um filme sobre moda que pouco fala sobre moda. Casa Gucci tem duas horas e meia de duração, mas a impressão é de que faltou tempo para Ridley Scott costurar todas as pontas.