É uma delícia conversar com o casal Dalcio Conceição de Araujo e Marilda Beregula de Araujo. Ele, natural de Diamantino (MT), 55 anos. Ela, de Alpestre (RS), 58. Juntos há 34 anos, ambos administradores, têm como "base" Sinop (MT), mas vivem no mundo. Há sete anos, embarcaram em um motor home, o Jabuti, e partiram. Para dar uma ideia do espírito da aventura, o veículo estampava a seguinte frase: "Devagar e sempre...estamos em casa".
Usei o verbo no passado porque este Jabuti ficou para trás. Está sendo reformado em Capela de Santana (RS) para ser vendido. De Porto Alegre, no início de janeiro, rumaram aos Estados Unidos. Foi de onde conversaram comigo, em Dallas, já proprietários de um novo motor home que os transportará pelo país, incluindo o Alasca, e pelo Canadá.
Dalcio e Marilda sempre viajaram, mas quando os dois filhos eram pequenos, os passeios se resumiam a 30 dias anuais. Doze anos atrás, sozinhos, pegaram a estrada em uma caminhonete, acampando. Mas quando descobriram o motor home, tiveram certeza de que era a "ferramenta" de que precisavam. Agora, só voltam de vez em quando a Sinop para ver os filhos e os três netos.
Falando com Dalcio e Marilda se percebe a leveza com que encaram a estrada e a vida. Acha que eles são fluentes em inglês e espanhol? Nada! Também entendiam pouco de redes sociais e produção de conteúdo, mas aprenderam e hoje têm mais de 170 mil seguidores no canal do YouTube.
Vivem sem luxos, às vezes aceitam hospedagem e refeições oferecidas por seguidores — na capital gaúcha, ficaram na casa de Maria Rejane e Francisco Alberto Rheingantz Silveira, que já figuraram aqui na coluna. Gastam, em média R$ 4,5 mil por mês — menos do que na moradia fixa, garantem. Sem patrocínio, vivem de aluguéis, com patrimônio construído ao longo do tempo em que, sem trocar de móveis ou carro, vislumbravam o futuro. Ah! E se você pensa que eles consomem tempo planejando roteiros também se enganou. Sabe qual o lema deles?
— Vamos pra lá! — brincam, dando de ombros a quem os considera "matutos, caipiras".
Enchem o tanque e vão. Não querem projetos de viagem complexos — o objetivo é conhecer o que há no caminho. E não têm medo?, perguntam as pessoas. Têm sim, mas vão do mesmo jeito, afirmando que há mais gente boa do que ruim por aí, sempre disposta a acolher viajantes. Uma só vez foram enganados: no Peru, por um caixa eletrônico (!), que forneceu o equivalente a R$ 240 em notas falsas. Indo, já estiveram em todos os Estados brasileiros, exceto o Amapá, e em todos os países da América do Sul, à exceção de Guiana Francesa e Suriname, pela dificuldade de acesso.
Rodam no máximo 150 quilômetros por dia. Em cidades pequenas, procuram a praça central para estacionar o Jabuti, se não atrapalhar, ou beiradas de muros e terrenos vazios. Mesmo em outros países, param na rua, na beira de rodovias e rios e próximo a mirantes. Nunca encararam problemas sérios. Apenas uma vez, ainda na caminhonete, tiveram o computador roubado e perderam dois meses de imagens. Aí decidiram entrar no YouTube, para ter backup da aventura. É tanta interação no canal que se consideram parte de uma grande família e com uma missão: inspirar as pessoas.
A bordo do motor home comprado nos EUA, maior e mais novo (ano 2018 e 10 mil Km rodados), pretendem ficar um ano na América do Norte, percorrendo parques nacionais. Ainda resolviam burocracias, quando falei com eles, ajudados por Mauricio Rodrigues Cabral, brasileiro com cidadania americana, amigo até então virtual a quem chamam de "anjo da guarda". Na estrada, pretendem se virar com GPS, com autoatendimento em postos de combustíveis e supermercados. Esperam também contar com a sorte.
Com sorte, com medo, com bom humor, com amigos virtuais e leveza, depois dessa jornada querem visitar a América Central, a Europa, a Ásia e a África. Ou seja, o sonho é conhecer o mundo. Eu não duvido.
O mais bonito
O encontro com as pessoas é o mais bonito. Em Estrela Velha (RS), cidade de poucos atrativos, tiveram a acolhida "maravilhosa" de uma família ao parar para aproveitar uma sombra. Acabaram passando três dias juntos. Na despedida, choraram.
— Ao chegar, fazemos imagens. Ao ir embora, levamos sentimentos — filosofa Marilda.
O mais assustador
Em 2022, quase despencarem de um abismo na Bolívia. Com uma roda do motor home fora da estrada de terra, ficaram mais de três horas sozinhos, sem sinal. Um acidente havia interrompido o tráfego e, ao ser retomado, tiveram ajuda de quem passava.
— Sentimos uma mãozinha de Deus, das boas energias que nos mandam — diz Marilda.
Para seguir
Perfil no Instagram: @jabutimotorhome
Por onde andam
Não são poucos os casais viajando em motor home retratados na coluna. Motivada pela história do Dalcio e da Marilda, perguntei por onde andam alguns:
- Neusa Maria Chaves, catarinense, 67 anos, e Sérgio Isoppo Porto, gaúcho, 63, desde 2015 rodaram 166 mil Kms em 22 Estados e cinco países (Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Equador). Passam períodos viajando (em 2023, 60 dias pela Patagônia e 71 dias pelo Brasil) e voltam para casa, em Florianópolis. O motor home está à venda para a compra de um novo.
- Alessandro De Franceschi, 39 anos, gaúcho, e Maria Eduarda Cardoso, 31, capixaba, formam o Ale & Duda do GetOutside (@getoutsidebr). Na estrada desde janeiro de 2020, percorreram mais de 100 mil Kms por 10 países e 22 Estados. Estão na Flórida (EUA) e pretendem retornar ao Brasil em julho, mas não "para casa". "Estamos em casa", diz Ale.
- Luiz Vinícius Canei e Tais Ires Rancan, ambos gaúchos de 32 anos, mantêm o Viajo de Casa (@viajodecasa). Partiram em julho de 2022 e já fizeram mais de 20 mil Kms, passando por 20 Estados e DF. Estão em Farroupilha (RS), para ajustes no motor home, de onde seguirão para Ushuaia (Argentina) este mês. Pretendem ir de Ushuaia ao Alasca.