Em qualquer lugar do planeta, três dias são insuficientes para se fazer julgamentos. Mas nos dois primeiros dias em Riga, a capital da Letônia, os episódios haviam sido tantos que, no último passeio, um walking tour guiado por um jovem bem-humorado, resolvemos perguntar o porquê daquela sensação de as pessoas parecerem sisudas.
– É que, por aqui, faz três meses de inverno e nove de frio – respondeu ele, espirituoso, contrariando nossa impressão sobre outros moradores da capital de 700 mil habitantes.
De fato, descontando o exagero do guia, o clima não é favorável, com 40% dos dias do ano nublados – no inverno o termômetro pode chegar a -20ºC; no verão, dificilmente ultrapassa os 29ºC. Eu a visitei em setembro, brindada com sol e temperatura ótima. Na cidade linda, onde há o maior conjunto de prédios em estilo Art Nouveau do mundo, eu sorria à toa.
Os turistas eram, então, poucos por lá. Não faz muito que uma das três capitais dos países bálticos (além dela, Tallinn, da Estônia, e Vilnius, da Lituânia) se abriu ao turismo, ainda que Riga some 800 anos, tendo sido um importante porto comercial a partir do século 13. A vida da cidade sempre sofreu com eventos dramáticos. Ela pertenceu à Polônia, à Suécia, à Rússia. No final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, proclamou-se República independente da Letônia, o que motivou um conflito, encerrado em 1920. Na Segunda Guerra (1939-1945), acabaria ocupada por nazistas e anexada pelos soviéticos depois. O país perdeu um terço da população.
Com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética, a partir de 1989, Riga tornou-se centro de um novo movimento pela independência. Sobre isso há um fato do qual os moradores se orgulham: em 23 de agosto de 1989 cerca de 2 milhões de pessoas estenderam as mãos e formaram a chamada “corrente báltica”, ao longo de 600 quilômetros, unindo as três capitais. A independência do país viria em 1991. Em 2004, entrou para a União Europeia, mesma época em que aumentaram as frequências aéreas, atraindo mais turistas para a pequena metrópole localizada ao longo do Mar Báltico e com seu núcleo histórico à margem do Rio Duína Ocidental.
Mas o que há para se ver? Há tanto para se apreciar em Riiiiiiiiga (os letões espicham até não mais poder a primeira vogal) que não haverá espaço suficiente, por isso destaco algumas e deixo o site oficial do turismo: liveriga.com/en/ (na versão em inglês porque entender o letão não é tarefa fácil). Ah, e se sugerirem a você beber Riga Black, uma antiga fórmula de bálsamo, prove, mas não diga que eu não avisei. É cara feia na certa.
Núcleo histórico e Mercado Central
Trata-se de uma cidade fácil de se desvendar a pé, mas ainda assim hospedar-se na área histórica é recomendável. Desde 1997, todo o centro histórico é Patrimônio Mundial da Unesco. Muitos prédios têm status de monumentos e foram restaurados, como a luxuosa Casa dos Cabeças Pretas, com quase 700 anos, que preserva a história da irmandade que lhe dá nome – os “cabeças pretas” eram comerciantes jovens que promoviam festas e eventos culturais – e hoje é palco de conferências e concertos. Destaco ainda o conjunto conhecido como Os Três Irmãos, o complexo residencial mais antigo da cidade (entre 1490 e 1646), que abriga o Museu de Arquitetura e o Centro Nacional de Proteção aos Monumentos. Outra experiência essencial em Riga, o Mercado Central fica em uma série de cinco hangares com 35 metros de altura, construídos na Alemanha para abrigar zeppelins na Primeira Guerra – o mercado opera desde 1570, mas, no formato atual, existe desde 1930.
Igrejas
A variedade de templos indica a diversidade religiosa. Entre os mais impressionantes estão a Catedral e a Basílica de São Pedro. A catedral teve a pedra fundamental lançada em 1211 e a atual aparência desde o final do século 19, resumindo a arquitetura local (características românicas, góticas, barrocas e art nouveau). Já a de São Pedro, na área mais alta, é um monumento gótico do século 13 e também espécie de centro cultural. Não deixe de ir ainda à Catedral da Natividade, em estilo neobizantino, construída entre 1876 e 1883.
Meca da Art Nouveau
O estilo artístico do final do século 19 coincidiu com um período de prosperidade em Riga, chamada então de “Paris do Norte”. Há uma concentração de 800 construções do gênero, a maioria no chamado “centro tranquilo”, principalmente ao longo da Rua Alberta. Olhe para cima, observando rostos humanos, máscaras, animais, cenas pastoris. É na Rua Alberta que fica o Centro de Art Nouveau, no apartamento de um arquiteto letão. Você pode usar chapéus (foto) e artefatos para uma selfie estilosa. Outro arquiteto responsável por muitos dos prédios art nouveau é Mikhail Eisenstein, pai do cineasta Sergei Eisenstein (1898-1948).
Junto à água
Nos canais formados pelos antigos fossos que circundavam a cidade, dá para alugar pranchas de stand up paddle, barcos a remo ou caiaques. Outra possibilidade – minha opção – é percorrer o canal e o Rio Duína em um barco histórico. Nesse passeio se observam parques e monumentos, como o Parque Kronvalda, o Monumento à Liberdade, a Ópera Nacional, o castelo de Riga e as torres que emolduram a capital da Letônia. Passa-se próximo ao porto, de onde partem ferry-boats que conectam com Estocolmo, capital da Suécia, e Tallinn, na Estônia.
Estátuas curiosas
Impossível deixar de destacar três marcos interessantes:
- a Casa do Gato: o animal de cobre foi colocado na torre do prédio em 1909 por um comerciante preterido pela Grande Guilda (associação), expressando sua contrariedade;
- animais empilhados (ao lado): doação de músicos de Bremen, cidade-irmã de Riga, a estátua do burro, cachorro, gato e galo é baseada em conto dos Irmãos Grimm;
- marcos da “corrente báltica”: a placa indica a data de 23/8/1989, quando 2 milhões de moradores dos países bálticos se uniram numa grande corrente humana.