Desembarquei em Bergamo por obra do acaso, numa parada para meus companheiros de viagem irem a uma festa de casamento. Ficaria dois dias e pouco tinha pesquisado sobre a cidade a cerca de uma hora de Milão. Hospedada em um hotel um pouco afastado, ao andar em direção à parte mais moderna, a Città Bassa (Cidade Baixa), fui me perguntando: por que nunca a incluí nos meus roteiros pela Itália? No dia seguinte, ao subir de funicular para a Città Alta (Cidade Alta), já quase me chicoteava: por que ninguém nunca me "obrigou" a conhecê-la?
Por curiosidade, consultei guias que costumava usar nas visitas ao país: um deles não trazia uma única linha sobre ela; o outro, menos de meia página. Também me disseram que, até pouco tempo, não muitos visitantes se demoravam ali — a maioria, fazendo bate-volta de Milão. Bergamo virou notícia no início da pandemia de coronavírus, somando milhares de mortes, e esse foi um dos motivos de a cidade de 120 mil habitantes ser escolhida em 2023, junto com Brescia, como Capital da Cultura, para tentar varrer aqueles tristes momentos, celebrar sua resiliência e incentivar o turismo.
Acho que deu certo. A Cidade Alta fervia no dia em que a visitei. Como eu, turistas palmilhavam as estreitas ruas medievais decifrando a arquitetura, a história, a gastronomia — atrás de uma stracciatella, simplificando o nosso sorvete de flocos, nascido ali, ou de polenta e osei, cujo nome engana: trata-se de um doce com pão de ló, creme de chocolate, manteiga, avelã e rum, recoberto de marzipã, que também modela os osei, os pássaros.
Não por acaso, o escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962), percorrendo a parte mais antiga, em 1913, intitulou o Palazzo Terzi e a praça que o cerca como "um dos recantos mais bonitos da Itália, uma das pequenas surpresas pelas quais vale a pena viajar". A mistura de traços medievais, barrocos e renascentistas é de embasbacar mesmo. E, não podendo falar de tudo, destaco o que vem a seguir:
O que ver na cidade italiana
Basílica de Santa Maria Maggiore
Do século 12, construída pelos moradores em agradecimento por se livrarem da peste. Sem uma entrada principal ou fachada, apresenta quatro entradas laterais. Prepare o pescoço para o deslumbramento com o teto, recoberto de afrescos e estuques, e com o coro em madeira. Perdi a conta de quantas igrejas já visitei e esta entra fácil no "top 5". Bem ao lado fica a Cappella Colleoni, de 1476, túmulo do político que a denomina, e um batistério octogonal. O Duomo, na mesma praça, não decepciona.
Gaetano Donizetti
Nem será preciso sair de Santa Maria Maggiore para deparar com o onipresente músico, nascido em Bergamo, já que nela está seu monumento funerário. Na Cidade Baixa, um dos maiores compositores de óperas dá nome a um esplêndido teatro do século 18.
Piazza Vecchia
Há séculos, há um motivo para se estar por aqui às 22h em ponto. É quando toca cem vezes o sino da Torre Civica, de 52m de altura, um aviso aos moradores de que as portas seriam fechadas durante o domínio veneziano. Dá para subir na torre, de elevador ou escalando os 230 degraus.
Accademia Carrara
Projeto de Giacomo Carrara (1714-1796), nasceu como escola de arte e de pintura. Agora, recém-renovada, tem 16 salas e mais de 350 obras expostas — no total, o acervo reúne 2 mil peças —, incluindo pinturas de Botticelli, Rafael, Ticiano, Lotto.
O funicular, as escadarias, os muros
Como já se falou, as duas partes da cidade são conectadas por um funicular em funcionamento há mais de 120 anos. A sugestão, para aproveitar tudo e não cansar muito, é subir de funicular, percorrer as atrações da cidade antiga e os cinco quilômetros de muralhas (tombadas pela Unesco, oferecem vistas espetaculares) e, depois, caso esteja hospedado na Cidade Baixa (ou não!), descer a pé as escadarias de pedra. Não satisfeita com esta empreitada, resolvi ir também a San Vigilio, a mais alta colina de Bergamo, um ponto menos frequentado, fazendo o contrário: subi a pé. Cheguei no alto, no Parco dei Colli, de língua de fora. As vistas e a cerveja gelada compensaram. Na volta, os 630 metros lomba abaixo foram no funicular. Bem mais fácil!
Outras impressões
Bergamo lembrou minha cidade natal por, mesmo não sendo pequena, parecer um imenso ponto de encontro, e por mais uma peculiaridade: difícil encontrar um lugar para almoçar após às 14h. Na Cidade Baixa, há uma interessante rua de compras com marcas internacionais e ateliês de moda artesanal. E outras lojas elegantes ficam quase em frente ao Teatro Donizette, junto à não menos elegante Caffetteria Balzer, onde cai bem um café ou uma taça de vinho. Na cidade limpíssima, outro exercício interessante é, ali perto, sentar-se junto à Torre dei Cadutti, no Caffè del Colleoni, para observar o entorno e experimentar o melhor sorvete de pistache que já tomei. O clima, em todas as estações, é chuvoso e úmido e, embora a temperatura não fosse alta, poucas vezes senti tanto calor como aqui, já no final do verão.
Um pouco de história
Fundada por etruscos com o nome de Barra, ao ser conquistada pelos romanos, no Século 2 A.C., Bergamo seria rebatizada. Após a queda do Império Romano, foi saqueada até a chegada dos lombardos, em 569. Viveria outros períodos conturbados até 1428, quando passou a integrar a República de Veneza. Foram os venezianos que ergueram as muralhas da Cidade Alta e a reconstruíram. Ficou conhecida como a Città dei Mille por ter contribuído com o maior número de voluntários (179) para a expedição de Giuseppe Garibaldi que, em 1859, entrou em Bergamo, pondo fim à dominação estrangeira.
Um senão
Fiquei decepcionada com a estação de trem, não combina com a cidade. Além de suja, não há bar ou cafeteria decentes. Por que me desapontar na saída, Bergamo?