Quando convidei moradores de Amsterdã para me acompanharem até Giethoorn, do qual eles e eu só tínhamos ouvido falar, sorri ao entrar no site oficial da vila holandesa. Colado no nome vinha o apelido: a Veneza dos Países Baixos ou Veneza do Norte. Como se muitas outras cidades holandesas também não fossem cortadas por canais, incluindo a capital, que fica a uma hora e meia dali, e não guardassem semelhanças.
Por que o título, então?
Ao chegar, percebi que, de fato, ela é diferente. Verdíssima e tranquilíssima, em sua área antiga não circulam carros, ainda que algumas ruas comportem veículos pequenos. A opção é caminhar, andar de bicicleta ou em barcos e botes. Muitas das casas só ficam acessíveis cruzando pequenas pontes de madeira sobre os canais e outras, apenas de barco.
No centro do sistema de canais de Overijssel, Giethoorn ficou famosa no final dos anos 1950 ao virar cenário de cinema — há ali, inclusive, uma estátua ao ator Albert Mol (1917-2004), uma celebridade nacional que atuou em Fanfarra (1958) —, mas é beeeeem mais antiga do que isso, fundada em 1230. Os telhados de palha acrescentam aquele tom bucólico que faz os turistas acorrerem às centenas no verão ainda que a sensação não seja a mesma da versão original de Veneza, tomada por multidões.
No sábado de temperatura amena em que fui, havia bastante turistas, sim, mas em número razoável. Você os perceberia mais tentando manejar os barcos que circulam pelos 6,5 km de canais navegáveis, tentando driblar a cabeça de alguma das quase 180 pequenas travessias, rindo e se embasbacando com a paisagem e com os jardins perfeitos, invadindo com celulares a privacidade dos moradores, às vezes visivelmente incomodados com a intromissão.
São poucos os habitantes, menos de 3 mil e você não os encontrará nas ruas, mas atrás de pequenos negócios que sustentam o local que vive basicamente do turismo. Esse tom é que, naquele dia, me acrescentou uma certa melancolia: me pareceu um lugar cenográfico, instagramável, e com pouca vida. Mas foi um pensamento rápido. Giethoorn é linda de qualquer forma.
Para visitá-la, caso esteja em Amsterdã, o melhor é alugar carro ou contratar algum passeio, pois não há trens ou ônibus diretos e você terá de fazer uma baldeação. Antes de chegar à área antiga, há estacionamentos gratuitos. Você pode só andar e observar ou alugar barcos (com ou sem condutor). Nós preferimos andar e começamos nosso passeio na marina à beira do lago no Smit's Paviljoen. Caminhamos a esmo, paramos para almoçar — escolhi um sanduíche gigante de croquete (bitterballen) — e para tomar café com stroopwafles. Adorei, ainda, ter visitado um ateliê de cerâmica cuja artista se inspira nas flores locais, belíssimas, e o interior de uma igreja menonita (cristão evangélicos). Se quiser, há dois pequenos museus que contam como era a vida no local no passado.
Mas esse vilarejo também me fez pensar em quantas cidades à volta do mundo se arvoram essa mesma alcunha de Veneza, inclusive no Brasil. Lembrei de algumas que visitei, pesquisei outras e cheguei à lista a seguir. Nenhuma jamais será igual à Sereníssima, com seus 110 canais e 118 ilhas, mas podem guardar lá suas afinidades.
Por que Recife é a "Veneza Brasileira"?
A capital de Pernambuco tem uma geografia cortada por rios (Capibaribe e Beberibe), ilhas, mangues e pontes. O apelido teria sido dado pelo escritor francês Albert Camus, em 1949, durante visita à cidade.
Ao redor do mundo
- Amsterdã (Holanda): inúmeros canais e pontes se encontram no centro da cidade.
- Alappuzha (Índia): com canais, lagoas e praias e paisagens bem diferentes dos monumentos venezianos.
- Aveiro (Portugal): os moliceiros, barcos parecidos com as gôndolas, estão entre as principais atrações.
- Ampuriabrava (Espanha): construída sobre um pântano, é uma marina residencial com mais de 40km de canais navegáveis.
- Annecy (França): tem canais decorrentes dos rios Thiou e Vassé e o canal Saint-Dominique.
- Bangkok (Tailândia): apresenta um complexo sistema de canais conhecidos como "khlongs", com mercados flutuantes.
- Bruges (Bélgica): oferece passeios pelos canais, atração imperdível no roteiro.
- Copenhague (Dinamarca): o canal de Nyhavn, escavado em 1673 e que já foi ponto de prostituição, hoje é uma atração turística.
- Estocolmo (Suécia): construída sobre dezenas de ilhas, a cidade tem 30% de sua área feita por canais.
- Fort Lauderdale, Flórida (EUA): com 260 km de canais, moradores os usam para atracar e transportar seus barcos até o oceano.
- Ghent (Bélgica): cortada pelo Rio Lis e por muitos canais, oferece passeios de barco a preços acessíveis.
- Lucerna (Suíça): com o lago que dá nome à cidade e o Rio Reuss, tem como símbolo a Ponte da Capela, do século 14.
- Liubliana (Eslovênia): às margens do Rio Liublianica, com restaurantes e bares na margem e muitas pontes.
- Hamburgo (Alemanha): tem mais de 2,4 mil pontes cortando os canais do Rio Elva.
- Monastervin (Irlanda): bordeada por um grande canal pontuado por numerosas pontes.
- Nantes (França): a "Veneza do oeste" tinha um grande número de canais que existiam até o começo do século 20.
- Puerto de Mogán, Ilhas Canárias (Espanha): no vilarejo há um sistema de canais em frente a casinhas pitorescas.
- San Antonio, Texas (EUA): tem canais no centro, em River Walk, uma de suas principais atrações turísticas.
- São Petersburgo (Rússia): no começo do século 18 os canais facilitavam o transporte de cargas e pessoas e maioria deles ainda existe.
- Séte (França): no litoral francês, um canal encontra-se com o mar, criando numerosos canais.
- Suzhou (China): fica perto da boca do Rio Yangtze, que já teve uma extensa rede de canais, mas só preservou alguns como atração turística.
- Tigre (Argentina): na Grande Buenos Aires, oferece passeios no Delta do Tigre, que deságua no Rio da Prata.
- Venetian Resort, Las Vegas (EUA): os visitantes se locomovem em gôndolas em canais artificiais.
- Venice, Califórnia (EUA): nascido em 1905, o balneário com canais artificiais a alguns quarteirões da praia acabou entrando em decadência.