Os cenários vêm sempre pontilhados por pequenas e grandes torres, cúpulas majestosas e capelas minúsculas, afrescos com séculos de existência, obras de grandes artistas.
Há milhares de igrejas católicas na Itália, país no qual mais de 50 milhões dos 60 milhões de habitantes receberam o batismo e dois terços se declaram católicos. Já as estatísticas sobre o patrimônio arquitetônico carecem de precisão: as construções variam de 30 mil a 100 mil, conforme a fonte e o tamanho dos templos. Certo é que é impossível viajar pela Itália e ignorá-las — você tropeçará nelas em cada esquina ou colina. Melhor mesmo é incorporá-las ao seu roteiro: ele ficará mais rico em beleza, arquitetura, história e religiosidade. Foi o que eu fiz numa visita ao norte do país, em apenas duas "comuni" (os municípios de Feltre e Borgo Valbelluna, no Vêneto), num raio pequeníssimo.
Resolvi compartilhar a experiência aproveitando o período (ainda) natalino. Confira:
Santuário de Vittore e Corona (Feltre)
Entre 1096 e 1101, os santos protetores da cidade ganharam esse templo integrado ao esquema de proteção da região, já que do alto do penhasco, a 344 metros de altura, se tem uma vista de 360 graus. É um monumento nacional e meta de muitos peregrinos. Prepare o fôlego para subir ao santuário por meio de uma imponente escadaria do final do século 19 — ao pé ficam as imagens dos dois santos. Em estilo românico, com forte influência bizantina, do ponto de vista arquitetônico o espaço mais importante é a arca dos mártires, circundada por oito capitéis, colunas em mármore grego e arcos redondos. Ali, estudiosos afirmam que uma inscrição reproduz um texto do Alcorão: "O universo pertence a Deus". O escrito é visto agora como um convite ao diálogo entre as religiões. Os afrescos datam dos séculos 12 a 16, alguns produzidos por artistas de escolas como a do pintor e arquiteto Giotto. Já o claustro, do século 15, exibe afrescos que contam a história do santuário e dos santos.
Igreja de Santa Maria Assunta (Lentiai, Borgo Valbelluna)
Monumento nacional italiano desde 1880, essa igreja precisa ser olhada principalmente por seu interior e, mais, por seu teto: nele há 20 caixotões de madeira pintados por Cesare Vecellio, da oficina do grande Ticiano. Há outras obras importantes ao longo das três naves da igreja cujos primeiros registros surgiram antes de 1515 e que foi o grande centro do antigo condado de Cesana _ a comunidade cristã remonta à época anterior ao ano mil.
Caminho dos capitéis com afrescos (Lentiai a Colderù, Borgo Valbelluna)
Já existiam, nesse trajeto em meio ao bosque, dois capitéis (capelinhas colocadas em estradas ou encruzilhadas) antigos, restaurados em 1995, quando a comunidade construiu outros 10 e convidou artistas a produzirem afrescos contemporâneos para adorná-los com santos padroeiros, usando técnicas tradicionais. O caminho que antigamente ligava as duas comunidades é lindo, com paisagens deslumbrantes.
Igreja de São Giácomo Maior (Colderù, Borgo Valbelluna)
Fica no final do caminho dos capitéis, de onde se tem uma vista abrangente do Vale do Rio Piave. No interior há uma sequência de afrescos dos séculos 15 e 16 recobrindo a parte mais antiga da igreja. Eles narram a vida e os milagres de São Giácomo, incluindo uma das lendas que o cerca. Entre as imagens, uma das que mais se destacam é a representação da Última Ceia, com camarões vermelhos à mesa.
Santo Antônio Abade (Bardies, Borgo Valbelluna)
Quase enterrado num declive, pode ser que você nem lhe dê grande importância, mas o interior desse templo tem riquíssimos afrescos dos séculos 14 e 15 narrando a história e as obras de Santo Antônio — no total, há 18 cenas de dois períodos diferentes. Na Primeira Guerra Mundial, as pinturas foram cobertas com cal e só passariam por restauração na década de 1960. Entre 2017 e 2018, os rebocos e afrescos passaram por novo restauro.
Bônus
Essas três igrejas a seguir eu visitei por razões sentimentais/familiares e talvez, para você, não tenham interesse arquitetônico/histórico/religioso, mas eu não poderia deixar de citá-las. Uma delas, na localidade de Tremea, é de 1657 — nunca consegui entrar nas quatro vezes em que estive ali, mas seu exterior é bem conservado; a segunda, a capela de San Gervasio (localidade do mesmo nome, em Lentiai), é onde meus bisavós se casaram, em 1881; a terceira, de São Sebastião, fica encravada na montanha a mais de 500 metros de altitude. Nessas duas últimas, você pode ter a sorte, como eu tive, de encontrar um vizinho que detenha a chave da igreja.