É indiscutível que a Câmara dos Deputados impôs uma derrota ao ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, ao devolver para o Ministério da Economia o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Derrota, porque Moro, quando aceitou ser ministro, exigiu ter o Coaf debaixo do seu guarda-chuva. Tempestade em copo d'água, porque o governo é um só. Basta que os ministros trabalhem de forma integrada e o Coaf será o poderoso instrumento de combate à corrupção imaginado por Moro quando propôs a ampliação da estrutura.
Ainda falta o Senado, mas a esta altura é melhor referendar a decisão da Câmara, porque o prazo de validade da Medida Provisória 870 está se esgotando e, se caducar, fica tudo como era antes, incluindo a arquitetura administrativa herdada do governo Michel Temer.
Os que tratam a volta do Coaf para o Ministério da Economia como fim do mundo ou perguntam onde ele estava nos governos do PT esquecem os bons serviços prestados pelo órgão na investigação dos casos de corrupção à época do mensalão e, depois, à Operação Lava-Jato. Recentemente, o Coaf identificou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e puxou a ponta do novelo que levou à quebra dos sigilos bancário e fiscal do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o órgão, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 ao mesmo mês de 2017, quantia considerada incompatível com seu patrimônio.
Se o problema é falta de funcionários, que o ministro Paulo Guedes autorize a nomeação dos indicados por Moro. Convém lembrar que a Receita Federal, outro instrumento importante no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, está vinculada ao Ministério da Economia (antes Fazenda) e nem por isso deixou de trabalhar integrada com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal na Lava-Jato.
Os deputados, especialmente os do centrão, fizeram queda de braço com Moro por birra, medo ou desprezo. Boa parte do Congresso não suporta o ex-juiz de Curitiba e quer cortar-lhe as asas, talvez esperando que se canse e peça o boné antes de abrir a primeira vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
A derrota já se anunciava desde o início de maio, quando a comissão especial que analisava a medida provisória manteve o Coaf no Ministério da Economia. O Planalto não demonstrou empenho na aprovação da demanda de Moro. O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chegou a dizer à época que uma portaria interministerial franqueando os dados do Coaf ao Ministério da Justiça resolveria o problema.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), produziu uma frase de efeito para expressar a opinião de que os deputados governistas estavam fazendo muito barulho por nada:
— Coaf não fará o Brasil crescer. Temos 20 milhões de pessoas cozinhando com óleo e lenha. É nelas que temos que pensar.
O dado sobre os 20 milhões que estariam cozinhando com óleo e lenha é discutível, mas serviu como ilustração para o desprezo de Maia pelo cavalo de batalha do ministro da Justiça. Ilustra, também, o esvaziamento do ministro mais popular do governo de Jair Bolsonaro. Moro já havia levado uma bola nas costas na edição do primeiro decreto das armas: o texto que saiu de seu gabinete era um; o que Bolsonaro apresentou ao mundo tinha enxertos feitos a sua revelia, no Palácio do Planalto, incluindo alguns pontos que caíram na nova versão.
A colunista Bela Mengale, de O Globo, informou que Moro lamentou a decisão da Câmara com uma declaração sucinta:
— Sobre a decisão da maioria da Câmara de retirar o Coaf do Ministério da Justiça, lamento o ocorrido. Faz parte do debate democrático. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o MJSP e o plano de fortalecimento do Coaf.
O placar de 228 votos contrários à permanência do Coaf no território de Moro, contra 210 favoráveis, deve ficar martelando na cabeça do ministro, porque é indicador das dificuldades que ele terá para aprovar as medidas do pacote anticrime, que enfrentam forte oposição da Ordem dos Advogados do Brasil.