Meus passos normalmente rápidos, o olhar preocupado com as notícias do mundo e a fala apressada, características do jornalista que precisa resolver uma matéria em poucas horas, sofreram uma redução de marcha naquela manhã de dezembro de 2018.
Escalado para escrever o perfil da Genô, personagem que inspirou gerações de estudantes do Colégio Rosário, em Porto Alegre, voltei à escola onde estudei no Ensino Médio. Segurei a pressa para entrar no ritmo da Genô: olhar calmo, fala mansa de quem dedica todo o tempo do mundo ao interlocutor, como se você fosse a pessoa mais importante do planeta, e os passos cansados pelo peso do tempo, seguiam, um a um, pelos corredores de ladrilho xadrez, preto e branco.
Era a primeira vez que regressava ao Rosário desde 1995. E Genô, a tia do SOE, faria comigo o que se dedicava a fazer com todos os ex-estudantes que voltavam: uma viagem lenta, gradual e deliciosa ao tempo de cada um. E assim foi naquela manhã: depois de ouvir a história da Genô por uma hora e meia para escrever seu perfil para o caderno Doc de Zero Hora, caminhamos por mais duas horas pelo colégio relembrando nomes de professores, as "fuzarcas" na frente do bar do Antônio, as pastelinas, as olimpíadas, as gincanas.
Abrimos portas de salas de aula para nos imaginarmos ali, 25 anos atrás - e, talvez, nunca as tenhamos fechado.
Quando entramos na sala dos professores, lugar com aura de reduto do saber, Genô recebeu a reverência dos colegas. Então com 93 anos, era recebida com sorrisos, gentilezas e carinhos. Nem sempre foi assim: Genoveva Guidolin, filha de José Guidolin e Catharina Vivan, descendentes de italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul no século 19, cresceu em Capoeiros, interior de Nova Prata. Na escola, viveu o drama de não poder falar italiano que ouvia em casa. Eram tempos da II Guerra e o nazi-fascismo fazia adeptos no Brasil. Desde a infância, no entanto, o espírito aguerrido de Genô se mostrava.
- Brincar? Eu gostava era de mandar - me contou naquele dia, lembrando qualidades que, anos depois, a tornariam orientadora educacional. - Queria mostrar os caminhos para os outros.
Mostrou, guiou. Seguindo os passos de uma irmã freira, ela ingressou aos 15 anos na Congregação Irmãs de São José de Chambéry. Peregrinou pelo Estado como religiosa, formou-se em Geografia e História, fez pós-graduação na PUCRS como orientadora de Educação e Ensino. Quando a congregação Marista transformava as escolas da rede, então separadas por sexo, em colégios mistos, foi convidada a lecionar. Era a primeira professora mulher no corpo respeitável de professores do sexo masculino do Rosário, com formação inclusive na Europa. Genô, de Nova Prata, foi ganhando espaço ao conquistar os alunos naquilo que o professor melhor tem de saber fazer: na sala de aula, seu palco principal, no diálogo ao pé do ouvido, de quem forma mais do que futuros médicos, advogados, professores e... jornalistas. Genô forjou homens e mulheres com espírito humanista. Inspirou pelo exemplo. Nas últimas décadas, passou a coordenar o SOE e, em seguida, a receber ex-alunos, como eu naquele dezembro de 2018. No rosto, Genô sempre buscou identificar nos ex-estudantes sinais do passado.
- Como ele é falante - disse a mim, naquele dia, característica do homem que contrastava com o guri tímido dos anos 1990, que se esforçava para ler em voz alta e empostada as redações durante as aulas de Português.
Genô morreu às 17h45min de quarta-feira (15), aos 94 anos. Ela sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e estava internada havia mais de 15 dias. Seu exemplo fica para sempre, como eco nos corredores rosarienses e na mente de quem um dia olhou nos seus olhos, ouviu sua voz e extraiu dali uma lição de sabedoria. Sobretudo, de humanidade. Obrigado, Genô.
Serviço: o velório ocorre nesta quinta-feira (16) até as 14h na Capela São José do Crematório Metropolitano de Porto Alegre. Às 13h, haverá missa online transmitida pela página do Colégio Marista Rosário no Facebook.