Além de uma vitória do governo Donald Trump na batalha comercial e geopolítica entre Estados Unidos e China, a decisão do Reino Unido de proibir a atuação da empresa Huawei, anunciada nesta terça-feira (14), é um espécie de epifania do que o Brasil irá enfrentar nos próximos meses em que decidirá sobre a implantação da tecnologia 5G no país.
No caso britânico, o governo deu até 2027 para operadores como BT e Vodafone removerem equipamentos da empresa chinesa de suas redes de telefonia móvel. A decisão, segundo o ministro da Cultura e Digital britânico, Oliver Dowden, deve-se às sanções impostas pelos Estados Unidos à China, em maio, que quebraram a cadeia de suprimentos.
- O Reino Unido não pode mais ter certeza de que será capaz de garantir a segurança dos futuros equipamentos Huawei 5G - explicou.
Este é um lado de uma ofensiva americana, que opera em duas frentes. Punições econômicas americanas restringem empresas como a TSMC, sediada em Taiwan (cujo governo é um dos principais aliados americanos na Ásia), de exportar equipamentos para computadores e outros componentes essenciais para a construção de estações da rede da Huawei.
Os seja, a coerção econômica, por meio de governos parceiros, funcionou para quebrar a cadeia de suprimentos da gigante chinesa de tecnologia. Mas há outro lado do movimento, mais suave e de bastidores, para barrar a Huawei no Ocidente. O governo britânico enfrentou pressão de deputados do próprio partido, o Conservador, que fazem eco ao argumento da Casa Branca. Segundo eles, o governo chinês pode usar a Huawei para espionagem. Os Estados Unidos afirmam que o compartilhamento de informações entre EUA e o Reino Unido, principal aliado estratégico e militar americano no mundo, poderia ser colocado em risco se o país continuasse a parceria comercial com a companhia chinesa.
O argumento é o mesmo utilizado pelos Estados Unidos no Brasil, onde a Huawei pretende ingressar disputando a implantação da tecnologia de alta velocidade em telefonia móvel. Em conversas reservadas a interlocutores nacionais, os americanos argumentam que a falta de transparência da China no tratamento de informações sobre a pandemia, por exemplo, reforça as suspeitas de que a Huawei compartilhará informações obtidas nas transmissões do 5G com o governo comandado com mão de ferro pelo Partido Comunista Chinês. A companhia nega consistentemente que ajudaria o governo chinês a espionar.
No momento em que o governo brasileiro se alinha diretamente aos Estados Unidos - e constrói parcerias militares e estratégicas -, o mesmo argumento utilizado aos britânicos já é visto para pressionar o Planalto - ou, no mínimo, informar dos riscos, segundo os americanos.
No Brasil, o embaixador dos EUA, Todd Chapman, já acenou com possibilidade de ajudar a financiar a rede 5G no Brasil caso o país evite a tecnologia chinesa.
Por aqui, pesa o argumento pró-Pequim de que a China é o principal parceiro comercial brasileiro (os EUA são os segundos maiores compradores) - e retaliações chinesas podem atingir especialmente o setor agrícola. No caso britânico, a China é o sexto comprador de produtos do Reino Unido (EUA são os primeiros). Mas, diferentemente do Brasil, na terra de Sua Majestade, a Huawei está consolidada há duas décadas e é parte da infraestrutura atual da rede 4G - a retirada dos equipamentos, segundo afirmou o CEO da BT, Philip Jansen, pode resultar em interrupções nos serviços dos clientes. A empresa também tem feito pressão: lançou uma campanha publicitária em junho, lembrando os empregos e os investimentos feitos no país nesses 20 anos de atuação.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou recentemente em entrevista à CNN Brasil que deseja uma concorrência aberta entre as empresas interessadas no fornecimento da infraestrutura 5G. Na prática, isso permite que todas as companhias interessadas - a sueca Ericsson, a finlandesa Nokia e a própria Huawei - apresentem propostas para uma análise posterior por parte do governo. A ideia vai contra o posicionamento de setores do governo (entre eles, militares e ideológico, círculo próximo do presidente Jair Bolsonaro), que defendem a exclusão da chinesa.