Recém-chegado do Vaticano, onde foi criado cardeal pelo papa Francisco, o arcebispo metropolitano de Porto Alegre e presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, reflete sobre o Colégio Cardinalício, o presente e o futuro da Igreja Católica e o desafio da polarização política.
A seguir, os principais trechos da entrevista à coluna.
De tudo o que o senhor viveu no Vaticano recentemente, qual foi o momento mais emocionante?
Houve dois momentos que me marcaram. Primeiro, no dia 7, quando me apresentei diante do Papa, e ele, com palavras muito simples, me disse: “Não perca a simplicidade”. Depois, no domingo, quando o encontramos novamente na sacristia, e ele me perguntou: “Como está o Rio Grande do Sul?” Isso me chamou atenção porque era um contexto festivo para quem ali estava. O fato de ele perguntar pelo RS foi de proximidade, de alguém que acompanha o contexto no qual nós estamos vivendo. Eu disse: “Santo Padre, precisamos de anos para recuperar o que precisa ser recuperado”.
Qual a imagem hoje do Colégio Cardinalício?
Não diria o estilo desse ou daquele (papa), mas a expressão da universalidade da igreja. O papa, ao longo desses anos, tem se empenhado para que o colégio seja a representação das mais diversas realidades e culturas nas quais a Igreja está presente. Isso ele tem conseguido levar adiante com maestria. Para alguns talvez cause surpresa, mas não podemos esquecer que a Igreja já não é mais europeia. Ela está presente em todos os continentes.
Mas a Igreja europeia ainda tem muito peso.
Sempre terá peso pelo contexto histórico. Continua, mas já não é mais aquele número (no colégio) de décadas atrás.
Como o senhor descreve o momento atual da Igreja?
Estamos vivendo uma mudança de época. E toda mudança produz angústia. Não no sentido psicológico, mas existencial. Trata-se de um caminho que temos de percorrer. Isso causa expectativa de um lado, e preocupação de outro. Preocupação por causa do espírito do “sempre foi assim”. Expectativa no sentido de “até onde podemos avançar”. Por onde devemos ir? Isso requer de todos nós sensibilidade, perspicácia e discernimento.
O senhor está falando do contexto geopolítico ou da Igreja?
Certamente geopolítico, social e também eclesial. A Igreja faz parte da sociedade. Está inserida no mundo e profundamente envolvida nesse processo. Falando em termos geopolíticos, quando dizemos que estamos experimentando ou vivendo uma crise das democracias, por exemplo. As situações se multiplicam mundo afora, as entidades de mediação social que se constituíram em diversos âmbitos, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, perdem relevância. Os conflitos armados mundo afora se multiplicam. Temos cerca de 60 conflitos armados. Três fazem notícia: a Ucrânia, Israel e palestinos e agora a Síria. Dos outros, nós não comentamos.
O Brasil está muito polarizado. Como a Igreja pode contribuir para maior diálogo?
Temos de compreender a missão da atividade política: a construção de consensos. Estamos com dificuldade muito grande nesse caminho de construção de consensos. Um outro aspecto me é muito caro. A partir da doutrina social da Igreja, compreendemos a política também como a promoção do bem comum. Tendo presentes esses dois aspectos, a promoção do bem comum e a construção de consensos, creio que, no Brasil, precisamos avançar muito. Temos uma situação escandalosa em relação à distribuição da renda. Quem são hoje os nossos estadistas, os nossos homens e mulheres públicos? Tenho dificuldade de responder a essa questão.
A nova geração, com a idade até os 15, 16 anos, possui uma estrutura lógica que não é mais a nossa.
Há uma crise de lideranças?
Certamente. Nos falta, sim, pessoas de estatura, à altura das exigências do tempo presente.
Como transmitir a fé para as novas gerações?
A nova geração, com a idade até os 15, 16 anos, possui uma estrutura lógica que não é mais a nossa. Eles têm outro modo de perceber a realidade. É certamente uma enorme questão, porque muitos conceitos que orientam a nossa fé foram forjados em outros momentos da história. Quando temos de explicar demais as coisas, é porque aquilo que dizemos já não encontra repercussão como deveria naqueles que nos ouvem.