Ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004), o diplomata Rubens Barbosa prevê um 2025 de grandes desafios para a política externa. Em conversa com a coluna, ele falou sobre as perspectivas para o novo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos, o acordo Mercosul-União Europeia (UE) e os Brics.
A seguir, os principais trechos.
Que diferenças o senhor prevê para o novo mandato de Donald Trump em comparação com o primeiro?
Há grande diferença devido à situação nos EUA e ao que está ocorrendo no mundo. O país está ainda mais dividido do quando ele foi eleito pela primeira vez. Trump está com uma retórica muito radical, escolhendo pessoas controvertidas. E ele encontra o mundo hoje com duas guerras, com a crise na Síria, e a tensão com a China.
Muito tem se falado sobre oportunidades para o Brasil em função da guerra comercial entre EUA e China. Elas existem?
Isso não vai influenciar. A China vai precisar comprar quantidades crescentes de produtos agrícolas independentemente da situação global. Oportunidades que o Brasil poderia ter em uma guerra comercial, se Trump colocar essas tarifas sobre produtos chineses, seriam na área agrícola, porque, na industrial, não temos competitividade para tentar substituir outros países.
Posições ideológicas antagônicas entre Trump e Lula podem afetar a relação?
A diferença ideológica não vai ter grande efeito na área econômica, masserá muito negativo na política. A doutrina americana, sobretudo com Marco Rubio (indicado para secretário de Estado), descendente de cubanos, ultradireita, conservador, anticomunista, terá efeito sobre os países de esquerda aqui na região: Cuba, Venezuela, Nicarágua. Eles vão meter o Brasil nesse mesmo saco.
Preoucpa o que virá depois da posse de Trump em relação ao combate às mudanças climáticas?
É só ver as declarações de Trump, ele já falou que vai sair do Acordo de Paris. Nesse primeiro ano eles ainda continuam, mas não vão aderir a nada. Vai ser um problema na área de ambiente. Tudo o que for feito para que a gente possa manter a temperatura abaixo de 1,5°C vai depender de China, Europa e países em desenvolvimento, como o Brasil. Não vamos poder contar com os EUA.
O senhor acredta que Trump irá, realmente, colocar em prática a deportação em massa de imigrantes ilegais?
Não. Acho que ele vai fazer algo nesse sentido, mas, materialmente, é impossível. Outro dia eu vi um cálculo: se são 10 milhões de pessoas que ele falou que vai deportar em quatro anos. Isso representa 6,8 mil por dia. Não fará essa deportação inclusive porque criaria um bruto problema para as empresas americanas. Os governadores estão se organizando, ele não vai conseguir deportar muita gente. Vai deportar, não vai abrir mão disso, mas vai ficar muito longe dessa meta.
E os brasileiros ilegais?
Acho que muitos brasileiros, cerca de 300 mil que estão irregulares, poderão sofrer.
O fato de os Brics estarem se tornando um grupo de oposição aos Estados Unidos pode ser prejudicial aos interesses do Brasil?
Vai depender da posição do Brasil. O país pode ficar como membro dos Brics e não aderir a tudo. O Brasil tem de ter uma posição de independência, não pode ficar alinhado automaticamente como Jair Bolsonaro ficou a Trump. Nem ficar automaticamente alinhado à China ou à Rússia, como o Brasil está sendo percebido neste momento. A posição do Brasil tem de ser de independência, de equidistância em relação a países e grupos. O Brasil tem de defender, em primeiro lugar, os nossos interesses, sem criar arestas com ninguém. Não há dúvidas de que o Brasil é um país do Ocidente: valores, costumes e 2 milhões de brasileiros trabalhando nos EUA. Mas, nesses últimos anos, também ficamos muito dependentes da Ásia. Mais de 50% das exportações brasileiras vão para aaquele continente. Mais de 37% das exportações agrícolas brasileiras vão para a China. É inegável que tenhamos muitos interesses a preservar na Ásia e na China. Por isso, temos de manter a equidistância e não nos alinharmos automaticamente nem a um lado nem a outro.
Onde o Brasil deve focar sua política externa em 2025?
Será um ano de grandes desafios para política externa brasileira. Não só por causa dos Brics como também por causa da COP30. Seria importante que o Itamaraty fosse fortalecido para que não houvesse essa descoordenação que está havendo. Há o desafio da Venezuela, da Argentina, de Trump. Eu espero que o Itamaraty e o governo brasileiro atuem com o mínimo de interesses ideológicos e partidários prevalecendo. Que defenda os interesses brasileiros e que não sirva a interesses políticos, partidários e ideológicos.