A guerra comercial entre Estados Unidos e China é apenas o aspecto mais visível do veto norte-americano à empresa Huawei – na semana passada, o presidente Donald Trump proibiu que grupos americanos façam negócios com empresas estrangeiras do setor de telecomunicações consideradas perigosas para a segurança nacional. Há mais interesses em jogo, como se fosse filme cujo roteiro inclui suspeitas de espionagem, interesses políticos, econômicos e estratégicos.
Mas fiquemos, por enquanto, apenas com a ponta do iceberg: a Huawei é uma companhia multinacional chinesa fundada em 1987 por Ren Zhengfei, ex-oficial das forças armadas do governo comunista. A companhia expandiu-se aproveitando-se do salto chinês dos anos 1990, período em que o dragão asiático se consolidou como a segunda maior potência do planeta. A empresa tornou-se a maior fornecedora mundial de equipamentos para redes de telecomunicações e segunda maior fabricante de smartphones do mundo, superando a americana Apple, no ano passado, e ficando atrás apenas da coreana Samsung. Em 2018, seu faturamento foi de mais de US$ 100 bilhões.
Desde a campanha, em 2016, Donald Trump elegeu a China como seu malvado favorito no Exterior. Em seus comícios, eram frequentes acusações de práticas comerciais desonestas por parte das empresas chinesas. Entronado na Casa Branca, Trump começou a adotar medidas para mudar a relação com chineses. A balança comercial é deficitária para os americanos, que compram mais produtos do que vendem para os chineses. Para virar esse jogo, o governo começou a impor tarifas para a importação de produtos. O contra-ataque chinês veio imediatamente, com sobretaxa à compra de produtos americanos.
Virou um jogo de ação e reação. Trump subiu o tom em pronunciamentos e, claro, pelo Twitter, acusando empresas chinesas, controladas pelo governo, de comprar fatias de companhias americanas para ter acesso a métodos de produção e depois copiá-los na China. A Huawei passou a encarnar todo o ódio de Trump. Uma das formas de elevar a pressão foi levar as rusgas para outro campo, o da estratégia. O presidente americano passou a acusar a empresa de espionagem. A chamada comunidade de inteligência – que reúne agências como CIA, FBI e outras – acusa a Huawei de servir de fachada para o governo chinês espionar outras nações.
No caso da Huawei, duas razões corroboram para a neurose trumpiana. É uma empresa privada, cuja família fundadora detém 1,5% das ações no negócio. Mas a empresa se apresenta como sendo controlada pelos próprios empregados, em um complexo e pouco transparente cartão de visitas. Isso dá margem para os EUA suspeitarem de influência do Partido Comunista chinês.
A outra razão é que a Huawei domina a tecnologia de redes sem fio de quinta geração, a 5G, considerada o próximo salto tecnológico. O veto americano é, portanto, mais do que uma mera medida protecionista. É uma decisão estratégica americana. Tanto que republicanos e democratas se odeiam, mas, a portas fechadas no Capitólio, costumam concordar sobre os riscos que a empresa chinesa representa para os interesses americanos. Os EUA não estão sozinhos nessa: Nova Zelândia e Austrália também vêm suspendendo negócios por receio de espionagem. Já Reino Unido e Alemanha decidiram montar suas redes 5G com base na tecnologia Huawei.
Aspectos da geopolítica
Falamos dos aspectos econômicos, tecnológicos e estratégicos, mas claro que a geopolítica fala mais alto. EUA (PIB de US$ 23 trilhões) e China (PIB de US$ 13 trilhões) são as maiores potências econômicas do planeta e disputam regiões de influência. Um exemplo: a América Latina, tradicionalmente uma região onde os EUA exercem hegemonia, tem sido assediada pelos chineses como grande mercado. Não apenas para negócios (a China é o maior comprador dos produtos brasileiros), mas financiando obras de infraestrutura, como parte do seu projeto Belt and Road Initiative (BRI, também chamado de Nova Rota da Seda). O vice-presidente Hamilton Mourão inclusive está na China esta semana para tratar do tema com o presidente Xi Jinping.
Na Europa, a China financia obras para o porto de Piraeus, na Grécia, assinou com a Itália memorando para investir em logística e transporte marítimo, o primeiro acordo com um país do G7, e tem investimentos semelhantes em países asiáticos e africanos. O projeto já soma 22 nações e 180 memorandos assinados, segundo o governo chinês. Acordos comerciais são, de certa forma, a concretização de apoios políticos.
E o Brasil, como se posiciona? Dividido. Por um lado, o presidente Jair Bolsonaro prometeu relação carnal com o governo Trump. A ala ideológica do Planalto canta no mesmo tom do americano: quer reduzir a exposição brasileira ao gigante asiático, que vê como uma ameaça estratégica. Economistas e militares são pragmáticos. Não querem redução. O Brasil é integrante dos Brics (que conta com, além da China, a Rússia, a Índia e a África do Sul). O país trilhando junto com os chineses a Nova Rota da Seda provocaria calafrios em Trump.
Frequentes trocas de farpas entre gigantes reverberam na economia mundial. As principais bolsas de valores do planeta despencam. Mas, a curto prato, há quem veja oportunidades para o Brasil. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a disputa turbinou as exportações brasileiras para a China em US$ 8,1 bilhões. As vendas nacionais passaram de US$ 22,589 bilhões, em 2017, para US$ 30,706 bilhões, no ano passado: "Por princípio, uma guerra comercial não é boa nem indicada para nenhum país no médio e longo prazo, mas no curto prazo, o Brasil tem sido beneficiado", diz a entidade.