
O cardeal Robert Francis Prevost, 69 anos, nas vestes de Leão XIV, está parado perante a multidão que lota a Praça de São Pedro, no Vaticano. Ele espreme os lábios, acena com uma, depois com as duas mãos. Faz reverência, curvando levemente o corpo perante os fiéis. Cruza as mãos na altura da cintura. Os olhos estão marejados.
É quinta-feira, 8 de maio de 2025. Assim o mundo teve o primeiro contato com o novo papa. E ele, comovido, aproxima-se do rebanho. É o fim de uma espera, um encontro.
Corta para o início desse dia histórico. Após a fumaça preta do primeiro dia de conclave, os fiéis retornaram à Praça de São Pedro na manhã desta quinta entre a dúvida de um conclave que obedeceria à média de dois dias das últimas eleições, de 2005 e 2013 (com Bento e Francisco), ou que se estenderia por mais rodadas de votações.
O horário das 10h15min (5h15min em Brasília) passou sem que houvesse sinal de fumaça na chaminé, jogando a expectativa para o resultado do final da manhã. Como a compensar a longa demora na fumaça do primeiro e único escrutínio do dia anterior, dessa vez, ela veio antecipada. Estava prevista para as 12h (7h em Brasília. Saiu às 6h52min (11h52min), com oito minutos de antecedência, uma densa fumaça preta tomou o céu do Vaticano por sobre o telhado da Capela Sistina. Nenhum dos 133 cardeais havia chegado ainda aos dois terços mínimos para se tornar papa. A multidão na Praça de São Pedro, mais cheia do que no dia anterior, se dispersou.
Perto das 16h (11h em Brasília), porém, todos voltaram. E em número ainda maior. Dessa vez, muitos trouxeram bandeiras de seus países: Espanha, Nicarágua, México, Brasil e até Coreia do Sul, uma diversidade de nações, algumas onde o catolicismo é minoria. Tamanha multiplicidade era retrato vívido do colégio de cardeais criado por Francisco, que amplificara a Igreja.
A imagem onipresente da chaminé na Capela Sistina em close ocupava os telões na Praça de São Pedro. Às 18h (13h), o público, ansioso pela fumaça, aplaudiu quando duas gaivotas pararam perto da chaminé. Em seguida, puxaram o celular para registrar o que seria outra imagem insólita: entre as aves, surgiu um filhote, que passou a comer com elas. Houve quem viu ali um presságio.
Da cena das gaivotas até a fumaça branca se passaram oito minutos. De forma espessa, às 18h8min (13h8min em Brasília), com golfadas que não deixavam dúvidas, o sinal ancestral sacramentava que o sucessor de Francisco havia sido eleito. Agora, era só esperar o nome.
Voltamos à cena inicial deste texto. Anunciado pelo protodiácono Dominique Mamberti (que pronunciou o "Habemus papam"), Robert Francis Prevost abre as cortinas do balcão da basílica. Espreme os lábios, acena com uma, depois com as duas mãos. Faz reverência, curvando levemente o corpo perante os fiéis. Cruza as mãos na altura da cintura. Dos olhos, escapam lágrimas.
O microfone é colocado próximo a seu rosto. Ele começa a falar:
— O mal não vai prevalecer, estamos todos nas mãos de Deus. Vamos em frente, somos discípulos de Cristo. O mundo precisa de sua luz, a humanidade precisa dele. Ajudem também vocês a construir pontes, com o diálogo, para sermos um só povo em paz.
O novo papa diz ser "filho de Santo Agostinho". Em seguida, troca o italiano pelo espanhol para lembrar a experiência missionária nos anos 1980 no Peru, onde viveu por duas décadas e se naturalizou.
De imediato, estabelece-se uma conexão entre o rebanho e seu pastor. Estamos diante de um papa coerente com a obra de Francisco, mas com características próprias. Simpático, mas não brincalhão. Pastoral, mas com suas próprias vivências: um pé nos Estados Unidos, onde nasceu, e outro na América Latina, onde experimentou a Igreja dos grotões.
A era Francisco teve fim. Começa a era Leão XIV. Mas há pontes entre os dois.