Não fosse baseado em uma troca de ofícios — 101 em três meses — que comprovam a negociata, o escândalo do "tratoraço" seria quase inacreditável. Como foi baseado em documentos, só um dos parlamentares envolvidos negou: o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), contemplado com R$ 277 milhões, valor 34,6 vezes maior do que a "cota" anual de emendas parlamentares.
O dinheiro que os brasileiros sofrem para pagar em impostos foi usado para comprar máquinas agrícolas com superfaturamento de até 259%.
A informação revelada pelo repórter Breno Pires, do Estadão, no final da semana, é mais do que um novo sintoma de conhecidos males do Brasil, como clientelismo e patrimonialismo. Em meio à pandemia, faltam recursos para combater os programas de compensação, como auxílio emergencial, apoio à manutenção do emprego e crédito facilitado, e na peça de ficção aprovada como o orçamento da República, não há certeza de financiamento da safra, pagamento da previdência e até manutenção programas que facilitaram a vida dos brasileiros, com o Pix.
O dinheiro do "orçamento paralelo" revelado pelo Estadão, sempre é bom lembrar, não é do governo. Vem da minha, da sua, da nossa contribuição para financiar programas de interesse público, um sacrifício que a grande maioria dos contribuintes faz para assegurar uma ideia de Nação que cuide do interesse coletivo, não do particular. Como diagnosticou ao Estadão Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, focada na aplicação do orçamento público, o tratoraço é um "mensalão disfarçado de emendas parlamentares".
Os bons resultados da safra agrícola nacional turbinaram a demanda por máquinas agrícolas, o que é ótimo. No ano passado, a estiagem deixou o Rio Grande do Sul fora desse ciclo virtuoso, mas neste 2021 o Estado deve se beneficiado pela colheita abundante nos campos. Mas a compra de um trator que valeria R$ 100 mil por R$ 359 mil precisa ser investigada, assim como as circunstâncias em que esses recursos foram liberados, justo antes da eleição do comando da Câmara e do Senado.
Segundo os parlamentares, as máquinas — também há compra de retroescavadeiras — serão usadas para abrir estradas rurais e em programas de apoio a agricultura familiar. Mas foram compradas com foco no interesse público? Qual é a justificativa e qual foi o destino do sobrepreço? Em um país em que o aperto no orçamento é usado para regatear contrato de compra de vacinas, atrasando a imunização, e justifica o pagamento de um auxílio emergencial que corresponde a menos de um quarto da cesta básica sua aplicação precisa ser analisada com lupa.