Ao longo de 2019 e até no início deste ano, o programa de privatizações do governo federal foi objeto de críticas, porque, embora ativos tenham sido vendidos, não houve uma "joia da coroa" para sinalizar a disposição liberalizante do Ministério da Economia. Salim Mattar, secretário especial da Desestatização e Desinvestimentos, pondera que o nome do cargo que ocupa não omite "privatização" por acaso. Sustenta, nesta entrevista à coluna, que não se trata só de vender estatais, mas diminuir o peso do Estado. Fundador da Localiza, Mattar atuou durante mais de três décadas na iniciativa privada.
Ceitec e Trensurb são as empresas gaúchas que devem ser privatizadas em 2020?
Exatamente, a Ceitec está no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e a Trensurb no Plano Nacional de Desestatização (PND). Para privatizar essas duas empresas, estamos contando com o apoio do ministro Onyx Lorenzoni (titular da Casa Civil, à qual é subordinado o PPI). A Ceitec entrou no PPI para avaliar a situação, a Trensurb já está no PND. O Onyx está dando uma acelerada, reorganizada, melhorou substancialmente o processo e vai encurtar o prazo de venda dessas empresas.
Há data prevista para publicação dos editais dessas empresas?
Não tem como precisar ainda.
A expectativa é privatizar até o final do ano?
No caso da Ceitec, será contratada uma consultoria para verificar as melhores alternativas. O estudo vai apontar se é melhor, por exemplo, mudar de objetivo, mudar a produção, se deveria fazer uma joint venture com alguma empresa de tecnologia ou vender. Hoje seria prematuro dizer o que vai acontecer com a Ceitec. A situação da Trensurb é diferente, está no PND, já foi encaminhada para o BNDES, que está contratando consultorias para fazer a modelagem, definir qual a melhor forma de desestatizar a Trensurb, como vendê-la, vamos fazer uma concessão? Os imóveis vão junto? Então, isso vai ser estudado enquanto o BNDES contrata consultorias e bancos de investimento.
Então não há 100% de certeza que as duas deixem de ser estatais em 2020?
Não, não temos certeza, os processos no governo são um pouco demorados.
Por que as privatizações do governo não estão todas na secretaria?
Tem uma lei que determina que somente o BNDES tem autorização para vender ativos do governo. A lei 9.491, que é a do PND (Programa Nacional de Desestatização, que autoriza a venda de empresas públicas), faz com que obrigatoriamente tenha de enviar ao BNDES para escolher empresas de consultoria e bancos para levar as empresas ao mercado. É uma questão de legislação. O fato é que o Estado é muito centralizador, muito regulador, e isso gera dificuldade para se vender os ativos do governo, que estão todos concentrados no BNDES.
É um obstáculo?
Não chega a ser obstáculo, apenas amplia o prazo de venda, retira um pouco da agilidade, mas o BNDES, na gestão do Gustavo Montezano, está com foco em serviços, está fazendo um bom trabalho para acelerar todos os processos de contratações de consultorias e de bancos. Essa lei é boa, atende bem, o que nós queremos é acelerar o processo.
O que nós queremos é acelerar o processo
SALIM MATTAR
Secretário especial da Desestatização e Desinvestimentos
Como é possível acelerar?
No PPI, os estudos deveriam ser feitos em prazo mais curto. Para contratar uma consultoria, o BNDES leva quatro meses, por causa da lei 8.666 (conhecida como Lei das Licitações). Então, estão usando todas as possibilidades para facilitar. Para isso, nós temos um fast track (via rápida, em inglês) que vai para o Congresso em fevereiro, com o objetivo de ter outra alternativa além do PND para poder vender as empresas em um processo mais rápido, que seria um atalho. Esse processo dá um pouco mais de celeridade, facilita a contratação de consultoria, de auditorias e de bancos, diminui o tempo do processo. Seria uma alternativa de fazer desestatizações foram do PND. Um processo não anula o outro, pode viabilizar vendas nas duas modalidades.
Seria uma alternativa para vender subsidiárias e participações?
Não, o Supremo Tributal Federal (STF) já determinou que subsidiárias de estatais não precisam de lei para serem vendidas. As subsidiárias que estão sendo vendidas pela Petrobras e pelo Banco do Brasil e pela Eletrobras têm processo muito rápido. O que o STF definiu é que empresas criadas por lei, em princípio, deverão ter lei para que possam ser vendidas, em alguns casos. É o caso dos quatro bancos — Banco do Brasil, Caixa, Base, BNB. Alguns casos poderão ser feitos via projeto de lei (PL), em outros a Lei 9.491 atende bem. Subsidiárias não precisam de lei, as controladas pela União são mais difíceis de vender.
Que tipo de empresa será objeto do fast track?
No fast track já estarão nominadas as empresas, o Congresso vai ter de aprovar a relação das que seriam vendidas. Essa discussão que tem que passar pelo Congresso, que vai determinar quais, das apresentadas, serão vendidas.
Há uma nova lista?
Sim, que pode conter novas empresas, mas pode conter também empresas que já estão no PND. Essa lista não inclui os bancos. Banco do Brasil, Caixa e Petrobras estão fora da lista de privatização. Isso é uma decisão de governo.
A lentidão do setor público foi um choque muito grande?
Trabalhei minha vida inteira na iniciativa privada, o setor privado e o governo são ambientes completamente distintos, não tem nada a ver um com o outro. Não estou falando que um é bom e o outro ruim, estou falando que são diferentes. Quando cheguei ao governo, comecei a conhecer este ambiente. O governo, pela sua própria natureza, já que cuida do cidadão, tem um arcabouço jurídico muito intenso para proteger o bem do cidadão. O Estado é muito grande e, ao longo dos anos, foi se agigantando. No ano passado, a carga tributária consumiu cerca de 35% do PIB, e teve déficit de 7%, ou seja, o governo brasileiro custa 42% do PIB. Significa que um brasileiro está trabalhando cinco meses só para pagar impostos. Precisamos reduzir esse Estado gigantesco, obeso, lento, burocrático e oneroso para os pagadores de imposto. Além disso, ainda interfere na vida do cidadão e do empreendedor. A natureza estatal não é um privilégio do brasileiro, a maioria dos países têm esse mesmo problema de um Estado grande e lento. Claro que talvez o Brasil funcione melhor do que Estados da África, mas talvez esteja muito longe dos Estados da Europa. O meu choque foi primeiro pela velocidade, as coisas na iniciativa privada acontecem mais rapidamente, no governo é mais lento, tem muita reunião, muitas áreas têm de dar opinião, pois o Estado é muito grande. É natural que seja assim, o que estou estranhando mais é a agilidade, tudo é muito lento.
Precisamos reduzir esse Estado gigantesco, obeso, lento, burocrático e oneroso para os pagadores de impostos
O ritmo da desestatização é lento em decorrência dessa natureza?
No primeiro ano, ficamos também muito absorvidos e com o foco na aprovação da reforma da Previdência. Por isso, começamos, digamos, um pouquinho mais tarde o processo de desestatização. Conseguimos, no ano passado, vender 71 ativos dos 695 que tínhamos, ainda temos 624. Neste ano, deveremos ter venda de ativos mais intensa.
Dos 300 ativos listados para privatização em 2020, 200 são subsidiárias de Eletrobras?
De 300 ativos, cerca de 200 são da Eletrobras. O Estado brasileiro deixa de ser controlador de empresas de geração, de transmissão e de distribuição de energia. Muitas são sociedades de propósito específico (SPEs) bem pequenas, tem uma grande quantidade, que não faz sentido o governo manter. Ao vender a Eletrobras, cerca de 200 empresas vão juntos, por isso a nossa meta é reduzir 300 dos 624 ativos restantes.
A privatização da Eletrobras vai ocorrer neste ano?
Sim. Temos um Congresso que já se mostrou muito responsável, muito cuidado e aprovou a nova Previdência. Foi uma demonstração do Congresso de maturidade, de prioridade de país. O Congresso demonstrou ser responsável, absolutamente coerente em relação aos problemas do país. Este mesmo Congresso vai aprovar o PL (projeto de lei) que autoriza a venda da Eletrobras.
Isso é certo, considerando que já houve muitas idas e vindas no caso da Eletrobras?
Em fevereiro, entraremos com esse PL no Congresso. No Sul, temos duas empresas de governo que cuidam de energia. Uma é a Eletrosul e a outra é a CGTEE, que fundimos em uma só. Vai ter ganho de escala, um só conselho, diretoria única, só um departamento de contas, foi uma boa coisa ter feito essa fusão. A CGTEE absorveu a Eletrosul por uma questão tributária.
A participação de 30% da Eletrobras na CEEE pode ser privatizada junto com a estatal gaúcha?
Isso não está definido, pode ser venda conjunta ou à parte. Mesmo que o governo gaúcho venda 70%, é uma privatização para o Rio Grande do Sul, mas o governo federal continua com os 30%. Quando o governo federal vender, ocorre uma redução do Estado, um desinvestimento.
No caso dos Correios, qual é a solução para o monopólio postal, que trava a privatização?
O básico é quebrar o monopólio, o que é constitucional. O Correios está no PPI para fazer estudos, e está prevista a privatização da estatal no final de 2021. Não sabemos a modelagem ainda. Pode ser vender toda a empresa, vender em partes. Nada foi feito ainda, é uma empresa muito grande, tem 100 mil funcionários, tem rombo de R$ 11 bilhões no fundo de Previdência dos funcionários, e outro de cerca de R$ 3 bilhões no plano de saúde. É uma empresa bastante complexa, que não tem dado lucro nos últimos anos. Na modelagem, vamos determinar o que será feito. Está cedo ainda para falar sobre isso, nem contratamos consultoria ainda. Temos que estar bem respaldados, pois esse é um patrimônio público, temos de zelar por esse patrimônio e que não onere o pagador de impostos.
A previsão de arrecadar R$ 150 bilhões neste ano com privatizações é exata ou meta?
A meta em 2019 era R$ 80 bilhões, vendemos R$ 105 bilhões. Superamos a meta. Como houve curva de aprendizado, neste ano estamos com foco em desestatizações. Acreditamos que entregaremos mais resultado. Podemos cumprir ou não. As duas do Rio Grande do Sul (Ceitec e Trensurb) poderão ter venda até mais rápida.