Ele já avisa no meio da conversa:
– No final do ano que vem, não estarei mais aqui.
Marco Camino Soligo assumiu a presidência da CEEE no início de abril, três meses antes da aprovação para privatização da empresa, além de Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração (CRM). Desde então, em dezenas reuniões semanais, prepara a venda da empresa que tem três divisões: distribuição, transmissão e geração. Está decidido que a distribuidora, com quase de R$ 4 bilhões em prejuízo acumulado, será vendida separadamente. E afirma que o tamanho do rombo pode ser um ponto forte, por representar um ativo para compradoras lucrativas: as perdas geram créditos de imposto de renda. Admite, ainda, que a CEEE-D perderia a concessão no final deste ano por não conseguir cumprir as exigências da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de melhora em resultados econômico-financeiros e qualidade de serviço.
Em que situação encontrou a empresa?
À procura de um caminho e com necessidade de liderança. Procurei dar um norte e preparar a companhia para a privatização, inclusive as pessoas. Falo muito aqui: vamos pensar como se fossemos uma empresa quase privada. Nestes termos, buscar resolver problemas com agilidade, resolver questões rapidamente. Resolver, executar, fazer, conseguir, conquistar são palavras que falamos muito, todos os dias. E passar uma borracha no passado. Não quero saber o que aconteceu, não procuro a fofoca. Não posso mudar o passado, mas posso construir o futuro e é isso que estamos tentando fazer. Estamos arrumando a companhia, protegendo a sociedade, fazendo os investimentos necessários para a manutenção e expansão da rede. Não é pouco, cerca de R$ 200 milhões. Poderia ser mais, para aumentar a robustez da rede.
A rede hoje não é robusta?
Os índices de performance da companhia são muito bons em qualidade da energia. Temos um índice que mede variação de tensão. No de tensão crítica, uma oscilação que pode queimar um aparelho elétrico, que seria acima de 5%, temos 0,14%, que é muito bom.
Esse dado é resultado de investimento?
Investimento e gestão. De 2010 a 2014, o aporte diminuiu. A partir de 2015, melhora, foram R$ 1 bilhão até agora. Dar robustez à rede é torná-la semi-isolada. Se investirmos mais, a frequência das interrupções do fornecimento cai e podemos entrar no limite regulatório da duração (hoje a CEEE está acima do tolerado). O tempo médio de atendimento é melhor do que o das demais distribuidoras.
O contrato com o BNDES prevê um estudo de venda conjunta e separada da geradora e da transmissora
O que mais lhe surpreendeu?
Quando cheguei, levei um susto. Tem uma distribuidora, que atende 26% da área física, cerca de 1, 7 milhão de clientes e atende a Capital. Tem uma geradora com 15 usinas que somam 910 megawatts (MW) próprios, e outros 1,24 mil MW com as participações da CEEE em 15 empresas.
A primeira é de 1928, mas todas são muito bem cuidadas. É bom para privatizar, porque não é nem pequena nem grande. Vai trazer muitos interessados, porque não é tanto dinheiro e é fácil de administrar. E a transmissora tem 6 mil quilômetros de linhas no Estado, que são estratégicas para o país. É muito estratégico e não é difícil de administrar. Quem seriam os interessados? As empresas de transmissão do Brasil. Por exemplo, a Isa Cteep (empresa com origem na Colômbia) que controla São Paulo. A CPFL é um interessado natural, quer dizer que vai comprar? Não. Em São Paulo, tem a CPFL e a Elektro, que atendia a uma região ao lado. A Elektro foi considerada a melhor distribuidora em 10 anos. A Elektro foi vendida. Foi a CPFL que comprou? Não, foi a Neoenergia. Que vai observar o mercado aqui também. A Eletropaulo foi vendida, a CPFL era o comprador natural, mas quem levou foi a Enel. Então, muita gente diz que aqui o jogo já está jogado (a CPFL é dona da RGE e da RGE Sul, as duas outras distribuidoras que atuam no Estado). Vamos ver quem leva. Estou trabalhando para ter um processo competitivo, quero competição.
Pode haver surpresa no leilão?
O que posso dizer é que tem muita inteligência envolvida no processo. Estamos vendo o que deu certo e o que deu errado em privatizações recentes. O que faz mais sentido para minimizar passivos para a sociedade e que é preciso fazer para que a companhia brilhe no futuro. Queremos emprego, autonomia nos processos de decisão, inteligência e renda. São três empresas, podem ser três donos diferentes. Está definido que a distribuidora será vendida separadamente da transmissora e da geradora. Olhando o mercado de energia, faz sentido vender em partes, porque o comprador de uma não é o mesmo de outra. O contrato com o BNDES prevê um estudo de venda conjunta e separada da geradora e da transmissora. O BNDES decidirá o que faz mais sentido. Na minha visão, faz sentido vender separadamente. Entendo que é a forma de trazer mais competição.
Há ideia de cronograma?
Se tudo der certo, o BNDES chega com os consultores no final deste mês. Temos 85% dos documentos estruturados, teremos 100% quando eles chegarem. Serão cinco dias de apresentações da companhia. Pela companhia, queremos acelerar o processo. É possível fazer antes de junho? Acho difícil. É provável entre junho e setembro, talvez atrase um pouco mais, mas no final do ano que vem não estarei aqui.
Algo que não se presta atenção são os créditos fiscais. Isso tem valor.
A venda da Eletrobras ajuda ou atrapalha?
Não quero comentar. É importante mencionar que a Eletrobras é acionista da CEEE. Temos um conselho de administração com quatro integrantes da Eletrobras, que têm muito conhecimento do setor elétrico nacional e ajudam a companhia.
Como está o risco de perda da concessão da distribuidora?
A concessão será cassada? Não, porque a companhia será privatizada. Se não fosse vendida, a concessão seria cassada? Sim, seria (em 2015, a Aneel renovou a permissão para a CEEE-D sob condições que a empresa não conseguiu cumprir). Ao menos uma vez a cada 45 dias estou lá conversando, para tratar disso.
O que ocorre formalmente no final do ano, haverá uma licença especial?
Não sei como a Aneel lida com isso. Enviamos informações periodicamente. Eles têm o direito de saber e nós, o dever de informar.
A distribuidora não receberá ofertas baixas?
Depende da modelagem. Algo que não se presta atenção são os créditos fiscais. Isso tem valor. Pedimos, no contrato de concessão assinado com o BNDES, que fosse feito um estudo específico sobre isso. Faremos tudo o que puder ser feito para minimizar passivos para a sociedade, para defender valor para a sociedade. Não vamos entregar nada que não precise ser entregue. Por exemplo, o Centro Cultural Erico Verissimo (fundação no centro de Porto Alegre) não vai ser jogado fora, estamos cuidando. Se descobrimos algo que não estávamos olhando, tomamos providências.
O pagamento dos funcionários ex-autárquicos pode ficar com o Estado?
Provavelmente. Talvez não possam ser mantidos dentro da concessão. São 906 pessoas, com média de 83 anos. Os outros inativos são do INSS. É um ponto de cuidado.
E o passivo trabalhista?
Esses processos estão ligados ao CNPJ, não podem ser retirados. O que posso dizer é que tem muita inteligência em cima disso. Tudo que pode ser feito para maximizar chances de ganho nas questões trabalhistas está sendo feito. Temos cerca de R$ 400 milhões em provisões para pagamento dessas pendências. Esse é o número considerado pelo comprador. Quando cheguei, mostraram o total de pagamentos em trabalhistas e cíveis em oito anos: R$ 1,7 bilhão, dos quais R$ 1,2 bilhão em trabalhistas. Atualizado pela Selic, seriam R$ 3, 5 bilhões. Hoje temos o menor nível de desembolso. Nunca perdemos tão pouco quanto agora. Reformulei completamente o departamento jurídico. A companhia tem pessoas muito competentes, técnicas.
Há um levantamento sobre os imóveis da empresa?
A companhia tem 387 imóveis, com valor de mais de meio bilhão de reais. Se não prestar atenção, podem ser vendidos com valor zero. Queremos transferir para o Estado abatendo dívida de ICMS. Deve ser aceito, pois não faz sentido transferir de graça na privatização. Não quero entregar de graça algo que pode ter valor para a sociedade no presente ou no futuro. Só esse terreno aqui da sede (na Rua Joaquim Porto Vilanova) precisa de R$ 12 milhões no ano para manter, não faz sentido, quem comprar transfere a companhia para um prédio corporativo, moderno.