Elena Landau foi diretora de Privatização do BNDES de 1994 a 1996. Preparou o caminho para a venda de Telebras e Vale, entre outras estatais que deixaram de ser. Ao sair do banco, não voltou ao governo, a não ser por uma passagem de quatro meses na presidência do conselho de administração da Eletrobras no período Temer. Diante da expectativa criada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que privatizaria estatais com resultado de R$ 1 trilhão, avalia que há risco de frustração. Preside o conselho acadêmico do Livres, movimento liberal suprapartidário.
Vai se concretizar a expectativa de que as privatizações deslanchem neste ano, depois de ficarem travadas em 2019? Não, porque o presidente da República não gosta de privatização. Não adianta dizer que o governo vai privatizar quando o presidente é contra incluir as estatais que importam, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. Mesmo no caso da Eletrobras, não há nenhum esforço do Executivo em fazer o projeto andar no Congresso. Se o governo reconhecesse que não tem privatização, que este presidente não fará, poderia ter mais credibilidade dizendo assim: 'Já que o presidente é contra privatização, vamos fazer uma série de desinvestimentos para tornar as estatais mais leves, menos endividadas, com menos participação'. É uma questão de discurso. O secretário de desestatização, Salim Mattar, faz um contorcionismo semântico para dizer que está privatizando. Ele chama subsidiárias e operações minoritárias de empresas. Diz que, se a Eletrobras for privatizada, o governo vai vender junto 210 empresas. Está absolutamente errado, se a Eletrobras for privatizada, algumas subsidiárias serão privatizadas, o resto são pequenas participações minoritárias, seja em empresas do setor elétrico ou consórcios de geração. Há uma enorme diferença. Não dá para privatizar o que já é privado. Assim, é um contorcionismo para poder dizer que Bolsonaro privatiza, mas ele não privatiza nada.
Está estabelecido que o presidente é contra privatização? Bolsonaro não quer privatizar. Se quisesse, privatizava. Só depende do envio de lei ao Congresso. Ele tem uma interpretação totalmente errada da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na verdade, está usando como uma desculpa a avaliação de que toda privatização tem de passar pelo Congresso. Não é verdade, o governo só depende do Congresso para empresas que ele não quer privatizar. Bolsonaro não quer privatizar, quer fingir ser liberal. Já colocou a privatização dos Correios no telhado, dizendo que é muito difícil. Se quisesse privatizar a EBC, a TV do Lula, privatizava, todo mundo prometeu fechar. A Valec é um escândalo de estatal, tudo de errado que pode existir está lá e, mesmo assim, não vai ser privatizada. A Infraero também não. Mesmo as que têm menos importância e não precisam de projeto de lei, ele não vai privatizar. O que é ruim é Salim reproduzir esse discurso e perder credibilidade. Diz que vai vender 300 estatais. É errado, não existe esse número de estatais. Equipara, por exemplo, a venda de 5% de participação em alguma empresa com a venda da Petrobras. É como se Fernando Henrique Cardoso tivesse dito que, quando privatizou a Telebrás, vendeu 27 empresas. Nunca se usou esse critério, é um contorcionismo semântico. Considero preferível ter credibilidade e dizer 'O presidente não vai privatizar, logo o que nós vamos fazer é desinvestir'. Com isso, o governo fortalece as empresas que não serão privatizadas, pois no fundo o que se faz é vender ativos, gerando valor e colocando no caixa para a sobrevivência das estatais. Tudo o que a Petrobras está fazendo é para consolidar sua existência. É o oposto da privatização.
Bolsonaro desfaz todos os avanços que a Secretaria de Desestatização e o Ministério da Economia tentam.
O STF de fato não determinou que toda privatização precisa passar pelo Congresso? Essa interpretação está completamente equivocada, já houve parecer sobre isso. É uma desculpa. O que o STF julgou foi uma liminar do ministro Ricardo Lewandowsky. Era uma liminar ideológica, totalmente sem sentido. O Supremo não mudou o rito da privatização. A lei do Plano Nacional de Desestatização (PND) é uma autorização que o Congresso deu em 1990, no governo Collor, ratificada com o FHC, de que o governo pode decidir o que será incluído no PND. As únicas empresas que precisam de autorização, e isso o STF não mudou, são as que têm proibição legal. Além de Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, a Eletrobras, pois a ex-presidente Dilma colocou em lei a retirada do plano. Correios é outra coisa. Não tem limitação de privatização, o problema é o monopólio postal. Se fizer cisão, privatiza. Não precisa autorização, está dada via lei do PND. Isso é fingir que quer privatizar, é uma desculpa esfarrapada. Duvido que o presidente não tenha tido acesso ao parecer que interpreta a decisão do STF. Bolsonaro desfaz todos os avanços que a Secretaria de Desestatização e o Ministério da Economia tentam. O Ministério da Economia avança nos Correios e ele sempre coloca empecilho.
Caso as privatizações não avancem, o que pode acelerar a economia? Abertura comercial, reforma tributária e reforma administrativa ajudam muito. Todo mundo diz que há muitos negócios acontecendo. Tem, e isso movimenta o mercado de fusões. Se isso vai gerar emprego e aumento de produtividade é a questão. O ruim, nesse discurso de desinvestimento, é que não é reforma do Estado. E seria o que geraria produtividade. É o que temos. Melhorar a regressividade dos impostos, esquecer a CPMF. Agora, sem tudo isso, fica difícil. Se aprovar a venda da Eletrobras, já está muito bom.
O projeto que este governo está propondo é um país sem crítica, sem imprensa,sem cultura, sem educação, com economia fechada, sem privatização.
Faltou tempo ao governo até agora? Não se trata de tempo, e sim de convicção. Este governo não é liberal, nem na economia, nem nos direitos, nada. É um absurdo só ficar se contrapondo ao PT. O que precisamos discutir é o futuro da sociedade. Qual é o projeto de país de Bolsonaro? O projeto que este governo está propondo é um país sem imprensa, sem crítica, sem cultura, sem educação, com economia fechada, sem privatização. Chega de falar do PT, não estou dizendo que um é melhor do que outro. O método de Bolsonaro é muito parecido com o PT, são os blogueiros do governo, é o ataque à imprensa. Destruição da política, a generalização do político como um mal. Bolsonaro não seria eleito se não houvesse esse movimento de destruir a ideia da política. Desapega do PT, quero saber qual o futuro do Brasil. O futuro do Brasil com o PT era um desastre, e agora temos Bolsonaro. Qual o futuro? Sem imprensa, sem arte, sem cultura, sem meio ambiente, economia fechada. Não está preocupado com benefícios para a sociedade, é igual ao PT.
Como é possível frear o aumento da desigualdade no Brasil provocado pela crise, como você vem alertando? E por que esse é um assunto de liberais? É óbvio que o liberalismo está preocupado com desigualdade, porque quer dar opções para a sociedade e isso depende de igualdade de oportunidades. O discurso liberal é criar oportunidades iguais para todos. Queremos que escolas públicas e privadas sejam de qualidade, sem depender de cor, religião. A ideia de igualdade de oportunidades e maior igualdade na economia é a essência no liberalismo. Meu problema com esse governo é que ele não é liberal nem na economia. Podemos dizer que a equipe econômica tem viés liberal, mas o governo como um todo, não. Porque interfere nas agências reguladoras, não privatiza, não faz reforma tributária, atende lobbies da indústria. Não abriu a economia. A educação, ponto central de qualquer governo liberal, é um desastre, tem um ministro (Abraham Weintraub) que só sabe bater boca. A agenda liberal não está implementada nem na economia, nem na questão progressista, que é basicamente a igualdade de oportunidades. Tem integrantes do governo que acham que as mulheres deve ser submissas ao marido. É inacreditável. Tem uma ministra, em 2020, que lê a Bíblia para definir o papel da mulher na sociedade.
A primeira coisa que faz todo governo obscurantista e totalitário é destruir o crítico. Como? Destruindo a imprensa e a cultura, pois a pessoa perde o poder de crítica.
Você vê obscurantismo no governo? Sem dúvida. Na questão, por exemplo, dos mecanismos de controle da Amazônia. O governo descarta ações mundialmente reconhecidas pois acha que não existe aquecimento global. Existe também uma aniquilação da cultura. A primeira coisa que faz todo governo obscurantista e totalitário é destruir o crítico. Como? Destruindo a imprensa e a cultura, pois a pessoa perde o poder de crítica. O ministro da Cidadania (Osmar Terra) quer impedir a Anvisa de legalizar a cannabis medicinal. São coisas assustadoras. O presidente quer administrar via decreto, via vontade pessoal. Ainda bem que o Congresso saiu da sua passividade para dar limites, talvez pela renovação que ocorreu em 2018 ou por um incômodo do Rodrigo Maia com pessoas que dizem que ele é do Centrão. O Congresso resolveu ajudar o país. O ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo) é terraplanista, é obscurantista, volta ao tempo pré-iluminista, de crenças e mitos.
Suas críticas lhe transformaram em alvo?
Sou chamada de 'isentona', que é basicamente qualquer pessoa que não é petista nem eleitor do Bolsonaro. O PT acha que votei no fascista, e o fascista acha que votei no comunista. O nível de agressividade entre os seguidores do atual governo é bem maior. Logo, tenho de bloquear mais gente. O fanatismo é o mesmo, mas o nível de grosseria dos seguidores do Bolsonaro é maior do que o dos petistas. O eleitor do PT difamava, chamava de ladra, mas agressão pessoal com os eleitores do Bolsonaro é maior, eles não criticam o conteúdo. Tenho mais de mil contas bloqueadas, tem muito robô, mas tem muita gente de verdade. O que acho mais angustiante é que essas pessoas agressivas e muito perigosas no pensamento usam a bandeira nacional em seus perfis. É preciso ter um movimento para recuperar os símbolos nacionais para a democracia, eles não podem ser apropriados por essa ultradireita, isso é algo que não havia entre os militantes do PT.