Se não tivesse acabado de ocorrer, seria difícil de acreditar. Em dificuldades para pagar
em dia o salário do funcionalismo, o governo do Estado anunciou, no mesmo momento, que o pagamento do IPVA não terá parcelamento e, em sentido oposto, que dará prazo maior, com perdão de parte da multa, para as dívidas das empresas. Um novo programa de recuperação de dívidas, que costuma ser chamado de Refaz – outro havia sido anunciado
há poucos dias, para quitação de pendências da substituição tributária – , vai permitir pagamento em longo prazo e com desconto de 90% nas multas para quem já atrasou.
Quando usados repetidamente, não de forma excepcional, como deveria ser, programas como o Refaz são considerados desestimuladores da manutenção dos compromissos por parte das empresas. Instrumento consagrado na gestão pública, trata melhor as empresas que descumprem os prazos de pagamento do que as pontuais. Essa percepção se acentuou e fez o governo federal inverter o tratamento do assunto, inclusive adotando medidas de punição do chamado "devedor contumaz", que se torna dependente de mecanismos como esse.
O governo federal vem tentando abandonar essa prática condenada por especialistas em finanças públicas. Neste momento, no Estado, quando o calendário de liberação dos salários do funcionalismo prevê quitação dos vencimentos de outubro só em meados de dezembro, é claramente um sinal do desespero do governo para fazer caixa.
Mas esse mesmo desespero parece desconhecer que boa parte dos donos de veículos que terão de pagar IPVA, sem falta, até 30 de janeiro, é formada por servidores públicos com salários atrasados. Parece ignorar, ainda, as condições reais dos orçamentos domésticos mesmo de quem recebe em dia. Em um país que teve dois anos de recessão profunda, seguido por outros três de recuperação muito modesta, o risco é de que a medida contribua para aprofundar a inadimplência das famílias gaúchas, outro sintoma da crise que ainda não apresenta sinais consolidados de melhora.