O gaúcho Roberto Ardenghy assumiu neste ano a direção executiva de relacionamento institucional da Petrobras. Primo do ex-deputado Rubens Ardenghi, explica que a diferença na grafia vem do registro de entrada no Brasil dos antepassados italianos – o original é com "i".
Na semana passada, o executivo esteve em Canoas para acompanhar o processo de venda da unidade, que se encaminha para o final. Depois, conversou com a coluna acompanhado do atual gerente-geral da Refap, Osvaldo Kawakami. Ambos garantem que não haverá demissões, mas confirmam a abertura de um programa de desligamento voluntário, conhecido como PDV. Quem quiser ficar na Petrobras terá de aceitar transferência para outros Estados onde a estatal vai manter unidades ou áreas.
A venda da Refap está em que fase?
Estamos no processo de oferta não vinculante. Nas próximas semanas, começa a fase vinculante: as empresas que manifestaram interesse terão acesso a dados técnicos das refinarias. Assim, estudam com mais detalhes a parte técnica das refinarias. Acreditamos que vamos receber as ofertas em fevereiro do próximo ano. A partir daí, selecionamos até sete mais interessantes e passamos para a última etapa.
É possível que chegue a esse máximo, pelo número de interessados?
Sim, são cerca de 20 empresas nas quatro refinarias. Há três perfis de interessados. O é de operadoras de petróleo. No Brasil, hoje, 25% do óleo produzido não é da Petrobras, as pessoas não se dão conta disto. Esse mercado tem quantidade importante de empresas privadas, que podem ter interesse em verticalizar (atuar na etapa seguinte, a de refino). O segundo é formado por operadores, novos agentes que estão muito fortes, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. São empresas que costumam alugar refinarias para processar petróleo, o que é comum nos EUA. O terceiro é de distribuidoras que querem ter acesso ao refino (etapa anterior). O segundo e o terceiro grupo têm apoio de fundos de investimento de longo prazo.
Não há risco de decepção, como ocorreu no leilão do pré-sal?
Achamos que não, não existe hoje no mundo nenhuma oportunidade de refino tão grande como esta que o Brasil está oferecendo.
O marco regulatório precisa mudar. Esse ciclo se esgotou, a Petrobras não tem interesse em preferência, privilégio. O monopólio não nos deixa confortável, cria distorções.
Não era isso que se dizia do pré-sal?
Para o megaleilão, existiam circunstâncias específicas, a parte regulatória era muito complicada. No cenário global, as empresas estão com problema para investir, e era um valor muito alto. A Petrobras foi com muito apetite. Para nós e os sócios chineses, foi um excelente negócio. Houve críticas porque a Petrobras pediu preferência e não a exerceu, mas a legislação obrigava a declarar (antes, a estatal era obrigada a participar de todas as atividades no pré-sal, regra que foi modificada para dar direito de preferência, que precisa ser manifestado com antecedência). O marco regulatório precisa mudar. Esse ciclo se esgotou, a Petrobras não tem interesse em preferência, privilégio. Não temos medo, temos competência. O monopólio não nos deixa confortável, cria distorções, inclusive dentro da empresa, nos deixa acomodados, gera ineficiências. Nesse contexto, a venda dessas operações de refino vai proporcionar que tenhamos oito grandes grupos internacionais em uma posições importantes de refino no Brasil.
O ciclo que se encerrou é o do modelo de partilha?
Sim. A Petrobras defende o modelo de concessão, entendemos que é o mais adequado para o Brasil. Um estudo da IHS Markit (consultoria especializada no setor de petróleo) sobre 140 marcos regulatórios mostra que o regime de partilha é mais típico em países com desenvolvimento menor do que o do Brasil. Onde não existe estrutura de controle regulatório, com agência independente, se faz partilha. A divisão é simples, se o custo do petróleo for 10 e vendermos por 40, tiramos o custo e dividimos 30, 15 é meu e 15 é teu. Mas tem problema: estimula o consórcio a gastar (porque o custo é descontado do valor a ser partilhado). Não é adequado para o Brasil, que tem agências atuantes e uma série de regulações. A grande vantagem do sistema de concessão é estimular a eficiência.
Em fevereiro, teremos a empresa que ganhou a concorrência. Em julho, será anunciado o nosso comprador.
OSVALDO KAWAKAMI
Gerente-geral da Refap
O Congresso terá fôlego para discutir isto?
Tem um projeto do senador (José) Serra (PSDB), que acaba com o direito de preferência da Petrobras. Podemos incluir emenda mudando o modelo de partilha para concessão no pré-sal. O governo pensa em enviar proposta própria. É um tema técnico, mas há espaço.
Voltando à Refap, quando se saberá quem é o novo proprietário?
(responde Osvaldo Kawakami, gerente-geral da refinaria gaúcha)
Em fevereiro, teremos a empresa que ganhou a concorrência. A partir daí, haverá negociação do contrato de compra e venda. Depois, apresentamos o contrato para os demais concorrentes, que deram valores menores, para saber se algum cobre a oferta. Com o contrato fechado e aprovado na diretoria da Petrobras, vai para análise dos órgãos reguladores. Se confirmado, é assinado. Ainda há um tempo para atender a algumas condições, por exemplo, fazer manutenção de equipamentos. Só aí a compradora assume a refinaria. Em julho, será anunciado o nosso comprador.
O que vai acontecer com os cerca de 700 funcionários da Refap ligados à Petrobras?
Ninguém vai ser demitido. Todos que quiserem continuar na Petrobras terão de ser reinstalados em outra unidade de negócios. Terão de sair do Rio Grande do Sul para trabalhar no Rio de Janeiro, em São Paulo ou até no Nordeste. Ninguém vai ser obrigado a deixar a Petrobras. Vamos, sim, fazer um PDV (Plano de Demissão Voluntária). Temos um contrato de serviço pelo qual os funcionários vão continuar na Refap durante dois anos, que é um prazo para a pessoa se mostrar. Aí pode entrar no PDV e ser contratado pelo adquirente. São pontos de honra para nós: ninguém vai ser demitido, e a refinaria não vai deixar de operar. É preciso tirar da cabeça das pessoas esse fantasma de que a gente está abandonando os funcionários. Não é verdade. Agora, se quiser continuar trabalhando na Petrobras, vai precisar ter mobilidade para trabalhar em outro Estado.
Estamos estudando a possibilidade de sair da posição de sócio nas empresas de distribuição de gás (...). Há possibilidade de alinhamento (para venda da Sulgás).
A Petrobras pensa em vender os outros 49% da Sulgás, já que o governo gaúcho vai privatizar seus 51%?
Em gás natural, o que discutimos hoje é nossa saída de várias posições. Vendemos parte dos gasodutos, como o da TAG (Transportadora Associada de Gás) por quase R$ 10 bilhões e agora vamos contratá-la para transportar nosso gás. Estamos estudando a possibilidade de sair da posição de sócio nas empresas de distribuição de gás, já foi até anunciado pelo nosso presidente, estamos considerando esta alternativa.
Então, faria sentido vender a posição com o governo do Estado?
Há possibilidade de alinhamento. Do ponto de vista estratégico, estudamos desinvestir (vender) neste segmento. Não vejo a Petrobras com vocação para distribuir de gás, vejo a Petrobras com empresa que tem capacidade de gerar gás.
Hoje o gás tem preço muito baixo. E a tendência é de queda. Em que velocidade, vai depender da entrada desses novos projetos e da maior oferta de gás.
Vai avançar o plano do governo para baixar o preço do gás natural?
Já está acontecendo. A chamada pública feita pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para espaço no TBG (Gasoduto Brasil-Bolívia), reduziu em 50% o custo do transporte, que é uma parcela do preço. À medida que tem mais gás no mercado e mais estrutura, vai baixar mais. A Petrobras está completando agora a Rota 3, com 355 quilômetros de extensão, dos quais 307 são submarinos e 48 em terra. Vai sair do pré-sal e chegar ao Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Vamos fazer uma Unidade Processadora de Gás Natural, que separa os componentes pesados e deixa o gás pronto para venda. A previsão é concluir em março de 2021, com capacidade de 21 milhões de metros cúbicos por dia. Além disso, já tem duas grandes unidades de regaseificação (importação de gás transformado em líquido, para facilitar o transporte, e devolvido ao estado gasoso depois do desembarque). Hoje o gás tem preço muito baixo. E a tendência é de queda. Em que velocidade, vai depender da entrada desses novos projetos e da maior oferta de gás. Esse mercado é de longo prazo, então o preço só vai mudar à medida que os contratos forem encerrados. A Petrobras tem contrato de um a 20 anos.
Com as negociações suspensas para renovação do contrato de fornecimento de gás da Bolívia, há risco de abastecimento?
O contrato vence no final deste ano, mas um dispositivo estabelece que todo volume de gás não despachado (não entregue) pode ser usado final. Temos uma folga de volume que equivale a cerca de seis meses. Estamos acompanhando a situação do país. O primeiro passo foi enviar uma equipe de segurança física para cuidar de nossos funcionários, deslocamos uma equipe do Rio de Janeiro para lá. Retiramos os familiares, deixamos só os funcionários, pois houve problema de abastecimento, os mercados fecharam. A Petrobras tem um plano de contingência. Nossas instalações estão integras, não houve ataque. O governo local está nos ajudando, protegendo as unidades. Não houve problema de fluxo. Houve situações de um funcionário não conseguir ir trabalhar por conta de um bloqueio, mas de forma isolada. De fato, a negociação parou com essa mudança de governo. O ministro do petróleo, que era nosso interlocutor, renunciou. Estamos aguardando. Até junho de 2020, temos folga que vai permitir manter o fluxo. Não somos mais dependentes só da Bolívia, temos três unidades de regaseificação no Brasil que a qualquer momento podem ser acionadas. A capacidade do gasoduto é de 30 milhões de metros cúbicos ao dia, estamos utilizando em torno de 14 milhões. Como o gás está barato, dá para fortalecer este abastecimento.
O Rio Grande do Sul poderá retomar a atividade nos estaleiros com encomendas da Petrobras?
Temos grandes projetos. O conteúdo local (exigência de produção de equipamentos no Brasil) não acabou, continua em alguns projetos. A Petrobras mudou sua lógica de contratação, não somos mais donos de plataformas ou de estaleiros. Lançamos uma licitação, a empresa recebe o contrato e produz. O Brasil tem capacidade de produzir, esse mercado não acabou. O Japão era o grande centro produtor (de plataformas de petróleo), que se deslocou da Coreia, depois para a China, agora está indo para Vietnã e Malásia. Pela primeira vez, uma empresa da Malásia ganhou licitação da Petrobras para fazer um casco. Depois, vem para o Brasil para ser finalizado em algum estaleiro, aí haverá oportunidade para todos. Na prática, os estaleiros têm de se conectar com essas empresas e mostrar que estão aptos. A Petrobras não vai mais participar. Tivemos prejuízo de US$ 2,1 bilhões com esse modelo, e tem casco dessa etapa que tem atraso de 57 meses.