Economista-chefe do BNDES, Fabio Giambiagi é “brassileiro”, ou seja, nasceu no Brasil, mas é filho de argentinos que viveu muitos anos do outro lado da fronteira, tempo do qual guarda esse sotaque acentuado. Diante da nova crise no país do tango aberta pela provável eleição de Alberto Fernández, como presidente, e Cristina Fernández de Kirchner, como vice, em 27 de outubro, avalia que tudo vai depender do escolhido para o Ministério da Economia. Apesar da inquietação do mercado com o futuro do principal sócio do Mercosul, avalia que o contágio para o Brasil diminuiu.
É possível uma virada na eleição argentina?
Eleição é eleição, mas se houver será a maior surpresa da história do país. As regras na Argentina dão vitória no primeiro turno a quem tiver 45% dos votos válidos, e até com 40%, desde que tenha diferença de 10 pontos percentuais. Nas prévias, a oposição teve 47% dos votos totais, o que dá mais de 45% dos válidos. Então, a chance de virada parecer ser de 0,1%.
Um governo Fernández seria mais parecido com Lula I do que os demais mandatos petistas?
Tudo é possível. Desde o governo do próprio Perón, o peronismo abriga da extrema direita à extrema esquerda. Na época, eles literalmente se matavam entre si (referência ao Massacre de Ezeiza, de 20 de junho de 1973, quando organizações se enfrentaram na volta do ex-presidente Juan Domingo Perón do exílio, com cerca de uma dezena de mortes). Tudo depende de quem for escolhido para o Ministério da Economia. A ideia de dar sinais favoráveis ao mercado está presente. No lado de Cristina, há forças anticapitalistas, caso de La Campora (organização do filho da ex-presidente, Máximo). Há outros personagens com concepções não muito capitalistas, como Juan Grabois (presidente da Confederação de Trabalhadores da Economia Popular). Ele tem uma curiosa ligação com o Papa, acusado de ser peronista (Francisco é o ex-cardeal Jorge Bergoglio). A Argentina de Fernández vai tentar um economista ortodoxo, especula-se que Guillermo Nielsen (atuou na reestruturação da dívida no governo Kirchner). Também se fala em Martín Redrado (ex-presidente do BC de Cristina) e Carlos Melconian (ex-presidente do Banco Nación de Macri). Qualquer dos três inspiraria confiança ao mercado. E depende do papel de Cristina. Há duas interpretações, uma de que quer dar as cartas, e aí haveria um conflito de poder, outra de que quer garantias judiciais, por preocupação com a saúde da filha (Florencia, com problemas linfáticos).
Qual o impacto do contágio da crise argentina no Brasil?
O risco da Argentina foi para a lua (em um mês, de mil para 4 mil pontos, medido pelo CDS, espécie de seguro contra calote), enquanto o do Brasil mal sentiu (subiu cerca de 10% e voltou a cerca de 130 pontos). O canal de contágio é o das exportações. Parte do dano já ocorreu, por isso não necessariamente haverá piora. O problema é que não recupera. Outra dúvida, além das tantas que já existem, é o futuro do acordo entre Mercosul e União Europeia. Se já havia problema com os europeus, e o Brasil, digamos assim, não foi muito feliz na diplomacia, com os franceses querendo usar qualquer pretexto para complicar, agora temos a dúvida se o parceiro que resistia desde o começo (a Argentina) de fato quer o acordo.
É parte da turbulência global, que também tem impacto?
É mais um elemento que não ajuda. Para o Brasil, por questões internas antigas e algumas novas, está difícil engatar a segunda marcha. A economia saiu do ponto morto em 2016 para engatar a primeira, o crescimento de 1% em 2017 e 2018. Além disso, agora temos turbulência mundial com potencial de impacto, nosso principal parceiro regional com problemas.