Embora reconheça que o fato de ser um banco público imponha "limitações" ao Banrisul, seu presidente, Cláudio Coutinho, avalia que a competição com as grandes instituições privadas se dá em pé de igualdade. Na 22ª edição, o Fórum Respostas Capitais voltou à Expointer na tarde de quinta-feira (29). Na Casa RBS, Coutinho afirmou, ainda, que não vê necessidade de enxugamento expressivo da rede de agências, tendência em outros grupos financeiros. Avalia que os pontos físicos se tornarão centros de negócios e apoio para uso de ferramentas digitais.
Por que o Banrisul quase dobrou os recursos para o campo entre 2018 e este ano?
Salta aos olhos a participação abaixo da média que o Banrisul tem no setor do agronegócio. Foi uma conversa que tive com o governador em fevereiro, uma missão para colocar o banco em patamar compatível com a importância do campo no Rio Grande do Sul, colocando no mínimo o mesmo peso que os outros setores da economia tem na carteira. Os frutos que vamos colher agora são em parte trabalho já feito na gestão anterior.
Há demanda?
Desde o início do financiamento do plano safra 2019/20, em julho, temos resposta muito boa comparada à do ano passado, mas como não tínhamos presença expressiva ou esforço gerencial para o agro, a comparação não é justa para avaliar o que está acontecendo na economia como um todo. Pelos números do Banco do Brasil, que são comparáveis, não parece haver grande expansão. Vamos crescer bastante porque a base de comparação era menor.
Pendências judiciais de qualquer natureza nunca são positivas.
Como recebeu a liberação da Justiça para a venda das ações do banco?
Não muda nada, temos a missão e função pública de ser o banco do Rio Grande do Sul, que fomenta o consumo, que independentemente de o governo ter 100% ou 51% das ações ordinárias. Seguimos com a missão de entregar crescimento no agro, de levar financiamento ao consumo e ao investimento, então. É algo que pode afetar ou não o controlador.
Para a imagem, faz diferença?
Pendências judiciais de qualquer natureza nunca são positivas, mas é muito genérico, não muda muito.
Outra missão, que é aumentar o financiamento do comércio exterior, já avançou?
Tomei pose em 10 de julho, então ainda não traçamos esse plano. Ter presença forte no comércio exterior é quase um corolário do apoio ao agronegócio. Também tem parte na área industrial, para exportação de máquinas e equipamentos, que é importante. Espero que até o final do ano tenhamos metas e ações em curso.
Na terceira, que é financiar investimentos, o Banrisul fala em parceria com o BNDES para "grandes projetos". Quais são?
Só o programa de concessões que o governo do Estado vai lançar, com rodovias, portos, haverá necessidade de financiamento. E há outros não tão grandes, mas importantes, como energia fotovoltaica para os agricultores, reduzindo o custo do produtor com cuidado ambiental. Há grandes investidores em energia eólica no Estado, temos linhas e apetite para isso. Como vim do BNDES, assim como outros dois diretores, Raquel Carneiro e o Osvaldo Lobo Pires, temos excelente relacionamento com a equipe lá. É possível fazer fluir mais rápido o investimento para energia eólica, dividindo os riscos com o BNDES, usando parte de expertise deles para financiar projetos de energia e outros do RS. Faremos análise conjunta e parte do repasse via Banrisul, parte o BNDES fará direto. O BNDES entra com 100% dos recursos, o Banrisul assume o risco de 50%.
Há diversos agentes contracionistas, como o BNDES. Tinha carteira de crédito de R$ 600 bilhões e hoje recebe mais recursos do que libera.
Qual a expectativa de interesse?
A recessão tem saída lenta. A situação parou de piorar mas também não melhorou. Em parte por problemas judiciais, efeito da Lava-Jato e outros problemas, grandes máquinas de investimento foram paralisadas. A taxa de investimento caiu de 22% para quase 15% do PIB. Estamos falando de R$ 500 bilhões a menos de investimento por ano. Até que haja capacidade de reação maior, não haverá crescimento forte. Isso vale para tudo. O agronegócio é menos sensível, no sentido de que é o setor mais competitivo da economia brasileira, com maior poder de reação. E há uma combinação que nunca vimos no Brasil, câmbio confortável para quem exporta, e o juro pode chegar a 5% ou menos. Por muito tempo se disse que o país precisa de juro baixo e câmbio alto, estamos caminhando para isso, mas as engrenagens de investimento têm que ser retomadas. Por outro lado, há diversos agentes contracionistas, como o BNDES. Tinha carteira de crédito de R$ 600 bilhões e hoje recebe mais recursos do que libera. Ocorre o mesmo com outro bancos públicos. Até que esse movimento de contração termine e volte a se expandir, é mais um vetor contra a confiança e a volta de investimentos. E sem investimentos não tem crescimento.
Como especialista em risco, como vê o impacto da turbulência global em projetos de venda de ações e abertura de capital?
Turbulência no mercado sempre existe. Depende de cada agente ir ou não a mercado, conforme a necessidade de cada um. É difícil dizer se vai haver desistência de transações ou não. Pode ser que um grupo ache que vale a pena, mesmo com a bolsa caindo, outro que não. E por isso que existe mercado, visões diferentes.
Fechar agências não seria o caminho correto para seguir competitivo, e sim transformá-las em pontos negociais.
(Pergunta de Marcelo Rech, vice-presidente editorial do Grupo RBS)
A disrupção bancária, com a entrada de fintechs, é um tema central para o Banrisul?
A gente pensa nisso 30 horas por dia e discute os processos de digitalização de um sistema bancário que estão evoluindo em velocidade muito grande. Não existe a possibilidade de não investir muito nisso, sob o risco de falecer rapidamente. Temos investimento grande na área de tecnologia da informação, mil funcionários realocados na área de TI, criamos uma área de transformação digital. Temos um grau razoável de digitalização dos processos, de 4 milhões de clientes, 900 mil são usuários do nosso app. Há taxa de 40% de crescimento ao ano dos apps, cerca de metade das nossas transações são por meio digital, as na boca do caixa não chegam a 10%. Nossa visão é de que fechar agências não seria o caminho correto para seguir competitivo, e sim transformá-las em pontos negociais. O cliente vai na agência para conversar com o gerente de negócios, ver um produto especial, até mesmo, um ponto para ensinar os clientes a usarem as ferramentas digitais, para digitalizar ainda mais os processos.
Não haverá redução no atual número de agências do Banrisul?
Digamos que não tem nada significativo a ser feito. Vai fechar uma ou duas agências? Pode acontecer. Mas não há uma lógica, nós temos um número x de agências e solução é fechar. Não haverá fechamento relevante de agências. Mesmo nos grandes bancos, o número de agências fechadas não é grande. A concorrência que preocupa o Banrisul é a velocidade do avanço na digitalização. Temos de correr mais que os demais de varejo, porque os que estão entrando agora vão levar, no mínimo, 10 anos para chegar perto.
Estamos fazendo o máximo que podemos dentro da nossa limitação de banco público.
Como está o Banrisul em relação aos concorrentes?
Estamos fazendo o máximo que podemos dentro da nossa limitação de banco público. Pelo fato de ser público, o Banrisul tem limitações. A primeira é uma série de regramentos jurídicos estabelecida no Brasil. Para qualquer contrato novo, precisa da lei 8.666 que, de certa forma, engessa bastante em termos de velocidade. Uma empresa privada pode escolher fornecedor, negociar preço, pode até escolher um que não tenha o menor preço, mas que seja melhor. Banco público não é assim, tem de fazer licitação, tem risco de judicialização entre concorrentes, que atrasa muito o processo. Algo que preciso contratar para amanhã pode levar um ano.
A alta do dólar pode impedir a redução do juro básico?
Não vejo risco, o fato de o desemprego seguir alto mantém a inflação sob controle. Se houver aumento de preços, empresários não vão conseguir repassar. Não acredito que haja inflação que justifique a manuteção de juro. O Banco Central, provavelmente preocupado com a reforma da Previdência, foi muito cauteloso, esperou a aprovação para começar a cortar. Não precisava, mas foi a opção deles.
Juro baixo é ruim para bancos?
Juro alto é bom para rentista. Como o banco trabalha alavancado, prefiro que o cliente tenha parcela de prestações nominais mais baixas. O mesmo spread que pratico pode ser com uma taxa nominal alta ou baixa. A baixa é melhor, tem menos risco.
E não dá para baixar o spread (diferença entre a taxa paga na aplicação e a cobrada em financiamento, que eleva o custo do crédito)?
Toda vez que o risco de um produto diminui, a taxa é competitiva e é muito menor. As iniciativas do Banco Central, como a central de recebíveis, vão baratear o crédito. A pequena empresa que fatura contra uma grande vai poder colocar sua duplicata nessa central de risco e descontar com taxa muito menor do que tem com um banco.
Ainda existe a possibilidade de venda da operação de cartões, a Vero, que depende da direção do banco, não do governo do Estado?
Qualquer operação envolvendo as subsidiárias do Banrisul será discutido à luz do interesse do Banrisul enquanto companhia, se faz sentido do ponto de vista econômico, se é bom negócio para os acionistas. Será decidido pela diretoria e pelo conselho do banco. Se for um bom negócio, será analisado, mas não tem nenhuma discussão. É uma decisão de gestão normal, se tenho um ativo e posso vender acima do preço justo, deveria fazer a venda, se não, continua levando a vida. Depende um pouco da guerra das máquinas. No momento, está todo mundo sob estresse, os preços caíram. A não ser que tenha um negócio muito excepcional, não vejo sentido.