A 4ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre reverteu, na manhã desta quinta-feira (29), a decisão que havia suspendido a venda de ações do Banrisul. O resultado é considerado uma vitória pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e pode ajudar o governador Eduardo Leite a cumprir a promessa de campanha de voltar a pagar a folha dos servidores em dia.
A operação, que envolverá ações ordinárias (com direito a voto), havia sido suspensa em 24 de julho. Na ocasião, o juiz Vanderlei Deolindo atendeu a pedido do ex-presidente do banco Mateus Bandeira (em ação ajuizada pelo advogado Bruno Dornelles) e solicitou mais informações do governo do Estado – incluindo estudo comprovando a viabilidade do negócio e a razoabilidade dos valores envolvidos.
Ao propor a ação, Bandeira advertiu para "a lesão que será gerada ao erário público com a dilapidação deste valioso patrimônio a um preço irrisório e considerável". Ainda segundo Bandeira, que foi candidato a governador em 2018, haveria "discrepância em relação à oferta de ações de outros bancos".
Após analisar os argumentos da PGE, o juiz entendeu que "o fato de o Estado ter publicizado a intenção de realizar a oferta pública não caracteriza, em primeira análise, ameaça de dano irreparável". O magistrado destacou ainda "o poder constitucional reconhecido ao governador, democraticamente eleito pelo voto popular", de "buscar alternativas para o enfrentamento da crise econômica porque passa o Estado, inclusive com o parcelamento dos salários dos servidores do Poder Executivo há anos".
Para o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, a decisão reforçou a legalidade do processo.
— A PGE e o governo do Estado sempre tiveram a convicção da lisura e da correção do procedimento adotado para a venda das ações do Banrisul e, agora, ao ter acolhido nosso recurso pela Justiça, restou expressamente reconhecido que não existe nenhuma ilegalidade a impedir o prosseguimento do processo de venda — disse Costa.
Por meio de nota, Bandeira declarou que não pretende recorrer da decisão. Apesar disso, ele criticou a conclusão do juiz, por aceitar "que o poder público não precisa perseguir o melhor preço de um ativo do Estado porque está em dificuldade financeira". Bandeira informou, ainda, ter "a consciência tranquila de quem tentou, dentro de suas limitações, evitar um grande prejuízo a todos os gaúchos".
Ainda que o Palácio Piratini não confirme valores, a oferta de papéis do Banrisul, que pode ocorrer a qualquer momento a partir de agora (a data não é revelada com antecedência pelo governo), tem potencial para render cerca de R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos. A título de comparação, o custo bruto da folha mensal do Executivo é de R$ 1,5 bilhão. A medida já havia sido anunciada em 2017, na gestão de José Ivo Sartori (MDB), mas acabou não ocorrendo devido à instabilidade do mercado e ao risco de prejuízo.
Detalhes da operação são questionados por deputados
Embora seja considerada fundamental pelo Piratini para garantir fôlego ao caixa, a alternativa não é questionada apenas por Bandeira. Em 14 de agosto, a Comissão de Economia da Assembleia aprovou convite para que o governador Eduardo Leite, o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, e o presidente do banco, Cláudio Coutinho, fossem ao Legislativo explicar a proposta de venda – e, principalmente, apontar o destino do dinheiro.
Sugerida pelos deputados Fábio Ostermann (Novo) e Sebastião Melo (MDB), a audiência pública foi marcada para 4 de setembro, mas nenhum dos convidados deverá comparecer. O motivo da ausência seria uma instrução normativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável por regular ofertas públicas de ações. A norma determina que seja respeitado um “período de silêncio” por parte do ofertante – no caso, o governo do Estado. A justificativa não convenceu Ostermann.
— Sabemos que existe esse regramento da CVM, mas eu já expliquei para o chefe da Casa Civil (Otomar Vivian) que eles não precisam revelar nenhum detalhe sigiloso. Basta explicarem o que de fato será feito com o dinheiro. Nosso propósito não é gerar desgaste, mas demandar do governo algo básico, o mínimo de transparência. Agora, com a notícia da queda da liminar, essa questão se torna ainda mais urgente — afirma o deputado.
Procurada por GaúchaZH, a assessoria de comunicação do governador informou que Leite mantém a decisão de não comparecer à audiência, assim como o secretário da Fazenda e o presidente do banco. Conforme a assessoria, o governador entende que qualquer manifestação poderá ser compreendida como desrespeito à instrução normativa da CVM. Além disso, a participação na audiência poderá, segundo Leite, influenciar as expectativas do mercado e os resultados da operação, que ainda não tem data definida para ocorrer.
A decisão, na avaliação do deputado Sebastião Melo, é equivocada:
— Discordo da tese do governo e vou contestá-la na audiência pública. A regra diz que é necessário manter silêncio apenas até o momento do anúncio da venda. Depois disso, não há mais essa limitação. A verdade é que o governador não quer enfrentar uma contradição política. Na campanha, ele disse que não venderia ações do Banrisul para pagar a folha. Agora, precisa enfrentar o debate. E é um bom debate, que, da minha parte, será de alto nível. O papel do parlamento é fiscalizar as ações do governo.
Bandeira informou que estará presente na reunião para detalhar seus argumentos contra a transação e alertar o parlamentares sobre os riscos da venda.