Para voltar a pagar em dia os servidores do Executivo até o fim de 2019, o governo Eduardo Leite aposta em quatro medidas e uma intrincada equação financeira.
A engenharia traçada por técnicos do Estado inclui a antecipação de recursos das privatizações, a venda de ações do Banrisul, o leilão de créditos do Fundo Operação Empresa (Fundopem-RS) e o ingresso de valores de ICMS assegurados na Justiça.
Se der certo, pode render até R$ 5,3 bilhões, soma superior ao rombo previsto no orçamento deste ano, de R$ 3,8 bilhões. Em cálculo simplificado, a cifra equivale a 3,5 folhas salariais, mas o dinheiro não será usado diretamente nos contracheques.
A decisão é motivada por questões legais, no caso do financiamento a partir da venda de estatais, e, principalmente, políticas. Vale lembrar que, na campanha eleitoral, Leite criticou o então governador José Ivo Sartori por negociar papéis do Banrisul para pagar as remunerações de servidores. Agora, não quer o ônus de seguir igual caminho.
A intenção do atual inquilino do Palácio Piratini é utilizar a receita extra para abater dívidas de custeio e, se possível, bancar a recuperação e a conservação de estradas. Entre os passivos que podem ser reduzidos ou quitados, estão as parcelas devidas na área da saúde, o 13º de 2018, os repasses para precatórios e o déficit previdenciário.
Ao reduzir o peso desses compromissos na contabilidade mensal, o governo espera ganhar liquidez, descongestionando o fluxo de caixa. Assim, em tese, o Tesouro do Estado teria margem para honrar os contracheques no prazo, o que não acontece porque há insuficiência mensal de R$ 1,2 bilhão nas contas, algo que se repete desde a administração passada.
Dos quatro itens previstos para alavancar receitas (veja detalhes abaixo), o mais difícil de tirar do papel em tempo hábil, na avaliação do economista Darcy Carvalho dos Santos, é o financiamento de 50% do valor da venda de CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração (CRM). A operação depende da adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal da União, e nada garante que Leite conseguirá assinar o acordo em 2019. Embora agora o contexto seja mais favorável, Sartori perseguiu o objetivo durante dois anos, sem sucesso.
Os demais pontos são considerados factíveis pelo especialista, com destaque para a transação envolvendo o Banrisul. Em tese, o negócio depende apenas de decisão do governo e pode se traduzir em pelo menos R$ 2,5 bilhões extras. A oferta de ações só não será realizada se houver reviravolta no mercado financeiro, como ocorreu na gestão anterior.
Quanto ao adiantamento de incentivos dados via Fundopem-RS, principal programa de investimentos do Estado, trata-se de algo que não chega a ser inédito (Sartori adotou opção similar), e pode dar resultado relativamente rápido. Serão leiloados créditos de 14 contratos, de empresas como John Deere Brasil, Gerdau e Randon. O único risco é não surgirem interessados ou o deságio oferecido ficar muito alto.
Com exceção da antecipação dos recursos das privatizações, que tende a ser mais difícil, o resto é viável e pode, sim, levar o governo a pagar a folha em dia ainda neste ano
DARCY CARVALHO DOS SANTOS
Economista
Autor de uma série de livros sobre a situação financeira do Estado, assunto sobre o qual tem se dedicado nos últimos 30 anos, Santos afirma que o plano pode funcionar. Apesar disso, relativiza o alcance das ações, consideradas insuficientes, na visão dele, para solucionar a crise estrutural do Estado. Para o ex-auditor da Secretaria da Fazenda, a saída depende do acordo com a União, da revisão de carreiras e benefícios do funcionalismo (cujos projetos Leite deve enviar à Assembleia em agosto) e da economia brasileira, que precisa voltar a crescer.
— Com exceção da antecipação dos recursos das privatizações, que tende a ser mais difícil, o resto é viável e pode, sim, levar o governo a pagar a folha em dia ainda neste ano. O problema é que essas medidas vão servir apenas para quebrar o galho por algum tempo. Déficit (gasto acima da arrecadação) se combate com receitas permanentes, porque as despesas são rígidas – conclui Santos.