Nas redes sociais, vídeos curtos transformam o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em um problema raso. Em alguns minutos no feed, é possível encontrar publicações humorísticas que favorecem a identificação dos usuários com algum dos sintomas da condição, como a desatenção ou a inquietude. Para especialistas, a banalização do termo e do diagnóstico pode ser perigosa.
A hashtag com a sigla do transtorno conta com mais de 1 milhão de publicações no Instagram e no TikTok. Coordenador do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Luis Augusto Paim Rohde acredita que, por um lado, é positivo que o assunto esteja em alta, considerando que ajuda a promover a psicoeducação.
— Mas temos visto o mau uso, a banalização e até um desrespeito em relação aos indivíduos com TDAH. É um transtorno que tem desfechos negativos importantes e essa banalização acaba criando um descrédito em relação ao diagnóstico — acrescenta.
Em um vídeo publicado no TikTok, uma menina fala que é comum que pessoas com TDAH esqueçam onde colocaram os seus pertences. Em uma publicação no Instagram, um homem diz que quem costuma deixar os armários da cozinha abertos provavelmente tem a condição e não sabe. No X (Twitter), um menino brinca que andar pela casa enquanto escova os dentes é um dos sintomas do transtorno.
Os conteúdos disponíveis na internet, segundo a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Valéria de Oliveira Thiers, podem facilitar o autodiagnóstico. As pessoas se identificam com as situações relatadas e passam a acreditar que convivem com a condição. A especialista explica que o diagnóstico, na verdade, não é tão simples.
— Para falarmos de um diagnóstico propriamente dito, precisamos falar de sintomas que são clinicamente relevantes e que estão presentes em contextos significativos. Em casa, no trabalho, na relação com os amigos. Quando falamos de um TDAH do tipo desatenção, são, pelo menos, nove sintomas, e seis ou mais deles precisam estar presentes. E aí temos que olhar se esses sintomas representativos estão presentes há, pelo menos, seis meses — defende.
Além disso, Rohde afirma que os sintomas não podem ser explicados por outras situações. A falta de atenção pode ser causada pelo estresse ou falta de sono, por exemplo, e não, necessariamente, pelo TDAH. A análise, considerando esse e outros fatores, deve ser feita por um psicólogo ou psiquiatra.
Riscos do autodiagnóstico
Terapia, medicação e hábitos saudáveis podem ajudar a diminuir os sintomas. Mas, para definir o tratamento adequado, é necessário diagnosticar a condição corretamente, a partir da avaliação de um profissional especializado.
— O problema do autodiagnóstico é que, quando eu faço um diagnóstico errado, eu trato errado. Por exemplo, a pessoa está em privação de sono e isso prejudica a atenção ao longo do tempo. Quem sabe, então, podemos pensar em um roteiro para fazer a higiene do sono e estabelecer uma rotina com práticas esportivas para melhorar a qualidade do sono. Isso é muito mais eficiente a médio e longo prazo do que fazer um diagnóstico e buscar uma medicação — pontua Valéria.
Ela ressalta, ainda, que é importante que as pessoas que estão com dúvidas se têm a condição façam uma avaliação para poder iniciar o tratamento e evitar os efeitos prejudiciais do transtorno. O coordenador do Programa no HCPA garante que, enquanto muitos se autodiagnosticam sem necessidade, outros vivem anos com os sintomas sem receber uma avaliação adequada.
— A grande maioria das pessoas, em termos de população de baixa renda, não é diagnosticada e não tem acesso à busca de profissionais para o reconhecimento e o tratamento. E ficam, então, expostas a essas condições de maior risco de acidentes domésticos, automobilísticos e uma série de desfechos negativos, fora os desfechos acadêmicos e profissionais, como mais repetência, mais suspensões e menor satisfação profissional.