A desigualdade entre ricos e pobres sobe no país há 17 trimestres consecutivos, pouco mais de quatro anos. O ciclo é o mais longo já registrado, aponta pesquisa do centro de estudos FGV Social. No segundo trimestre, o índice que mede a concentração de renda avançou 0,11%, o menor crescimento em termos percentuais desde que voltou a subir, no início de 2015. Em entrevista à coluna, o economista e diretor do FGV Social, Marcelo Neri, avalia os impactos da situação em meio ao cenário de crise na economia brasileira.
O que chama atenção nas conclusões do estudo?
A desigualdade está aumentando há 17 semestres consecutivos no país. Mas o novo aumento foi o menor do período. Talvez estejamos vendo a luz no fim do túnel. É preciso aguardar. A pesquisa traz uma notícia muito preocupante. Nunca havia ocorrido o registro de 17 trimestres consecutivos de aumento.
O que fez a desigualdade perder ritmo, mas seguir em alta?
Isso tem a ver com a situação da economia. Em particular, com o desemprego, que foi o principal fator de degeneração da distribuição de renda no país. Agora, começa a jogar a favor. O desemprego passou a ceder, e a desigualdade aumentou menos. Mas, mesmo assim, ambos seguem em níveis considerados altos no país.
Qual a relação entre a alta na desigualdade e a persistência da crise econômica?
A desigualdade acentua a crise econômica. Aumenta os impactos sobre a pobreza. Faz com que a queda na renda gere perdas sociais maiores. Além disso, dificulta a retomada da economia. Assim, cai a propensão da sociedade a gastar com bens e serviços. A alta na desigualdade também gera instabilidade política. Provoca incertezas sobre o cenário econômico. A concentração de renda se sobrepõe ao comportamento da economia. O aumento potencializou os efeitos da crise. Antes desse período, a renda vinha crescendo, e a desigualdade estava caindo no país. Aí, a situação se inverteu. A renda passou a cair, e a concentração aumentou. Os dois jogavam a favor antes. Depois, passaram a jogar contra. O que chama atenção é que, em países como Estados Unidos e França, discute-se muito a desigualdade. No Brasil, o assunto é pouco debatido. Reflete o desinteresse sobre as diferenças existentes entre a população.
A melhora depende do quê?
É preciso debater a desigualdade. Jogar luz sobre o tema. Em termos de políticas públicas, o país necessita de igualdade de oportunidades, com acesso a escolas de qualidade. Educação tem importante papel nisso. A atuação do governo ao distribuir renda e taxar (impostos) precisa ser aprimorada com a reforma tributária. Tanto a tributária quanto a previdenciária têm missão importante para reduzir a desigualdade. O Estado é que acaba redistribuindo renda, mas tem papel de Robin Hood às avessas. Obviamente, é necessário pensar em reformas pró-equidade.
E os projetos em debate no Congresso são pró-equidade?
A reforma da Previdência poderia ser melhor. O regime do funcionalismo público é muito desigual em relação ao restante da população. Foram poupadas questões como a do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e a da aposentadoria rural. A Previdência no Brasil reproduz a alta desigualdade de renda. É preciso reformar o sistema para diminuir isso, e não aumentar. De alguma forma, é algo que está sendo feito.