Enquanto a reforma tributária não toma forma, circulam propostas mais ou menos sensatas sobre mudanças necessárias no "cipoal tributário" do país. Além de uma contribuição semelhante à CPMF – defendida pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e atacada pelo presidente Jair Bolsonaro –, correção da tabela do Imposto de Renda e até o fim das deduções com gastos de educação e saúde para pessoas físicas, governadores lançaram a ideia de acabar com a Lei Kandir e liberar Estados para tributar com ICMS produtos exportados. Maurício Maioli, especializado em tributação do Feijó Lopes Advogados, pondera que a isenção de ICMS em vendas ao Exterior é uma imunidade prevista na Constituição:
– Se prosperar, acabou a segurança jurídica.
Qual a avaliação sobre a proposta de tributar exportações?Do ponto de vista jurídico, não tem como andar, não vai prosperar no STF (Supremo Tribunal Federal). Se prosperar, acabou a segurança jurídica. A não exportação do ICMS é uma imunidade tributária (situação em que a Constituição afasta a tributação sobre determinado bem, serviço ou pessoa). As imunidades tributárias servem para defender um direito ou garantia individual, essa é a lógica, não se pode mudar norma na Constituição quando viola direito ou garantia individual, porque é cláusula pétrea.
Essa não é uma interpretação, em um momento que há muitas divergências sobre o que as regras querem dizer?
Pode ser uma interpretação, mas o STF já afastou emendas constitucionais que quiseram revogar imunidades. Por exportação é uma novidade, mas lá atrás houve um tributo sobre movimentações financeiras, o ITMF, ainda antes da CPMF, que incidia em transferência entre Estados, que foi rejeitado porque violava a imunidade recíproca entre Estados. Basicamente é isso, todas as imunidades tributárias têm uma fundamentação, a dos livros é para proteger a liberdade intelectual e de imprensa, a sobre as exportações visa proteger e desenvolver a economia. Tanto vai além do ICMS, inclui IPI, PIS/Cofins. Não dá imunidade só a um, mas a diversos tributos, apontando para o fato de que o legislador constitucional não quis tributar exportação por razões econômicas, para não exportar tributo.
Uma emenda constitucional não quebraria essa imunidade?
A Constituição define que não se podem mudar cláusulas pétreas. Sempre há alguma possibilidade de driblar esse entendimento. Mas uma emenda constitucional sobre esse tema pode ser aprovada com 100% dos votos, ainda assim será alvo de judicialização e criar uma enorme insegurança jurídica. O artigo 155 é muito claro ao afirmar que "ICMS não incidirá sob operação que destine mercadoria para o Exterior". Só haveria possibilidade se o STF interpretasse de forma diferente, o que é pouco provável, mas que o SFT pode colocar tudo baixo, pode.
E o conceito econômico de não tributar exportação é de fato universal?
Na maioria dos países ocidentais, não se tributa exportação. No Brasil, exisete até um imposto sobre exportação, com pouquíssimos bens previstos (fumo, tabaco, armas, munições e suas partes). A intenção é controlar balança comercial, estimular ou desestimular vendas ao Exterior. A discussão só existe quando a Constituição não é tão clara, como no caso da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), que teve forte discussão, no passado, para saber se incidiria na exportação. O STF entendeu que sim, só que foi uma interpretação. Agora, ICMS, PIS/Cofins estão lá, mencionados.
E o que pode ocorrer se a proposta avançar?
O impacto econômico será enorme, a decisão sobre quanto tributar é dos Estados e poderá variar. A alíquota média do ICMS é de 18% no Rio Grande do Sul, mas pode variar até 30%, dependendo do produto. Calcule isso sobre o exportador. A segurança jurídica de exportação nunca foi violada. Deixaria os empresários com medo de que tudo possa ser relativo nas regras de exportação. Neste caso, há uma claríssima e franca inconstitucionalidade.