Professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP), Simão Silber costuma ser um defensor entusiasmado do ajuste fiscal. No entanto, a situação da economia brasileira mudou sua perspectiva. Crítico de aventuras com dinheiro público e ousadias sem lastro na responsabilidade, agora defende medidas de estímulo monetárias e fiscais.
O senhor sempre pregou ajuste fiscal, agora mudou de posição?
É obvio que o ajuste fiscal fica muito mais difícil quando a economia fica deprimida, porque o problema não está no lado da despesa, é do lado da receita, que cai ou não cresce. Como a economia brasileira está patinando, os números são negativos, está pintando que vamos ter um primeiro semestre com recessão, queda na produção. A pergunta que se coloca é como sair do buraco. Tem dois caminhos que parecem os mais lógicos. O primeiro depende do Banco Central, que vai acelerar a redução na taxa de juro, já que não tem perigo de inflação porque a economia está muito deprimida. Tem todo espaço para a taxa básica de juro cair para 5% até o final do ano.
E qual o segundo?
Como a economia está muito travada, o governo tem de dar um estímulo adicional, porque se a economia tiver desempenho melhor no segundo semestre deste ano, mais gente trabalha, aumenta a produção, paga-se mais imposto. O empurrão que se dá na economia gera emprego. No mundo todo, o setor que gera muito emprego é a construção civil. Então, vejo duas possibilidades, uma, aumentar crédito para o Minha Casa Minha Vida. Teria dois efeitos, um reduzir a carência de moradia no Brasil, e outro, seria um estímulo para compra de material de construção. Aceleraria a atividade econômica, geraria emprego, daria uma pedalada na economia no sentido de fazê-la girar.
Pedalada?
Não é pedalar à la Dilma, pois é um crime de responsabilidade fiscal. Recurso para Minha Casa Minha Vida é considerado investimento, pode até se endividar um pouquinho mais porque não foge à regra de ouro. Outra possibilidade está nos milhares de obras paradas, em que a produtividade do investimento é zero. Seria possível selecionar os melhores projetos e retomar obras paradas. É um estímulo fiscal, mas tem que ser comedido, não é chutar o pau da barraca, nada disso. Discute-se no mundo todo a política fiscal proativa, que ganhou importância porque a economia está deprimida. E há uma razão adicional para isso. Nesse final de semana, houve uma surpresa na Argentina, que é o terceiro mercado de exportação do Brasil. Vai desativar atividade econômica no Brasil, por que o peso argentino já desmanchou, vai ficar muito difícil para exportar, porque a crise será maior e eles vão comprar menos da gente. O produto deles vai ficar mais barato, eles vão vender mais para gente e nós vamos vender menos para eles. A necessidade de fazer algo vai ficar muito mais forte, vai reverberar no final do mês, quando o IBGE divulgar o segundo semestre do PIB e anunciar uma recessão. Só com um passe de mágica seria possível reverter, tem alta probabilidade de entrar setembro discutindo a recessão no Brasil.
Está se criando uma espécie de consenso entre economistas?
Hoje não temos grande problema na área externa, nem de inflação. Qual o grande problema do Brasil? Recessão e desemprego, então têm que reativar a demanda, não tem saída. Por isso está todo mundo falando nisso. Se juro cair, abre espaço para gastar em outras coisas. A redução da taxa Selic de 6% para 5%, como se projeta até o final do ano, permite economizar cerca de R$ 20 bilhões. Como o custo da dívida fica menor, abre espaço para iniciativas comedidas. Tem duas coisas que estão madurinhas no pé para você cutucar e cair. Uma é o juro, outra que tem 4,2 mil obras paradas, então se pode escolher os melhores projetos. A economia está combalida e quem está combalido toma remédio, e o remédio é monetário e fiscal.
O ministro Paulo Guedes, ultraliberal, adotaria essa receita?
A pressão é muito grande, o Brasil tem 27 milhões de desempregados, desalentados e trabalhando menos do que gostariam. A campanha política foi lançada no dia em que o (presidente Jair) Bolsonaro tomou posse. Já é candidato a reeleição, e, com recessão, o resultado é só olhar o que está acontecendo com Mauricio Macri (presidente da Argentina derrotado nas prévias). Além do apelo econômico e social, que é dramático, tem o apelo político, É óbvio que se uma recessão cair no colo de Paulo Guedes, é um grande problema. Com inflação baixa, reforma da Previdência aprovada, o problema é que a economia não anda. Se tiver um minuto de consciência vai se dar conta.