Não se pode dizer que Simão Silber seja um otimista de carteirinha. Ao contrário, o professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP) costuma ser bastante crítico de aventuras com dinheiro público e ousadias sem lastro na responsabilidade. Apesar de ver o momento como o primeiro de muitos degraus para fora do buraco da economia, avalia que é possível, sim, um descolamento entre a crise política e a retomada.
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A tese de descolamento entre a economia e a crise política é sustentável?
Acredito que sim. Os indicadores atuais, no caso brasileiro, são razoavelmente claros. A crise política ainda está em fase muito aguda e a economia tem alguns sinais positivos e outros muito consistentes. Em termos de perspectivas, o risco Brasil está muito bem comportado, a taxa de câmbio também, ou seja, fez-se um mínimo de acordo no Brasil de que, independentemente de governo, ou até sem governo, vai se tentar um ajuste de contas e não vai se partir para nada radical do ponto de vista econômico.
Até sem governo?
Você pode ver como as coisas estão andando em período, vamos chamar assim, de "mula sem cabeça". A reforma trabalhista está nos finalmentes no Senado. O Congresso e o setor privado têm um consenso de que, do jeito que está, a economia brasileira não pode continuar. Tem de fazer mudanças independentemente do governo de plantão. Isso está ocorrendo, o investimento externo continua entrando, há sinais de recuperação no setor de serviços, nas vendas do varejo. O Caged trouxe uma boa notícia, de aumento do emprego. Não estou dizendo que esse descolamento signifique comportamento virtuoso, primoroso, para a economia. Mas não existe abraço de afogado de crise política e crise econômica. A gente chegou ao fundo do poço, e está saindo.
O que explica esse descolamento?
O tombo foi muito grande. Chegamos ao chão, e a vida continua. As pessoas vão continuar procurando emprego, uma parte vai conseguir, as empresas precisam produzir, o comércio precisa vender. A inflação caiu, o juro caiu, então está dando um mínimo de sobrevida, de sinal de vida na economia brasileira. É um recomeço depois de tombo muito grande. O que apareceu no primeiro trimestre: cresceu 1% depois de cair 7,2%. Então ainda está 6 pontos abaixo do ponto de partida. É uma recuperação. Gosto de usar essa figura: você cai num buraco de sete metros e começa a tentar sair. Consegue galgar um metro, olha para baixo e diz 'nossa, subi um metro'. Mas se você olhar pra cima, vai penar. Para chegar à superfície faltam seis metros.
O descolamento independe de fatos novos?
Minha bola de cristal está um pouco embaçada, mas depois de tanta 'novidade', acho que estamos blindado para más notícias. Não muda radicalmente o cenário. E vou fazer uma previsão: acho que Temer não sai. Uma parte da delação da JBS não é comprovável. Tem ilações, mas não é suficiente para tirar o presidente da República. Já se tem uma visão razoavelmente clara de que não tem alguém para substitui-lo, e a eleição está tão perto que nem compensa. Então, pode ficar com pato manco, pato aleijado, pato em cadeira de rodas, porque vai ser com pato mesmo que a gente vai. O grande problema vai ser 2019, porque o ano que vem tem eleição, vai saber quem ganha essa eleição. Olhando taxa de juro a longo prazo, ninguém está vendo desastre, por ora. Com base nas expectativas, ninguém está vendo cenário Venezuela, destruição do país, descontrole total. Não tem no radar. Tudo isso é bom e também é ruim. Por quê? A gente está muito olhando para o umbigo, nesse instante, olhando a crise atual. Mas o Brasil perdeu o dinamismo há 37 anos. Nosso desafio é mais estrutural. É um país que não tem ganho de produtividade, tem investimento baixo, tem baixa qualidade de educação, péssima inserção internacional, não fez concessões. Está tudo errado, independentemente do governo. Por melhor que seja o cenário, não se vê bombada na economia, crescer a 5%, 6% ao ano, ninguém consegue arrumar algum modelo macroeconométrico que dê projeção desse tipo. Ou seja, o Brasil, na melhor das hipóteses, está na armadilha da renda média, cresce um pouquinho abaixo da média mundial, a gente está vendo poeira na estrada, todo mundo andando mais rápido que a gente e, numa curva qualquer, a gente se vê sozinho na estrada.
Quando o investidor externo vê os fatos novos do Brasil, não se acautela?
Não olha o Brasil assim. Olha a sexta população do mundo, o oitavo PIB do planeta. Um país que não está em guerra civil, nem vai estar. Não é o Afeganistão. É um país que tem grande unidade de mercado. Está em posição estratégica muito boa no Atlântico. É questão de tempo, não sei quanto, dar uma arrumada na casa, como a gente fez na década passada. Esse pessoal está pensando em 10, 20 anos. As empresas brasileiras estão muito baratas, por causa da crise ou da Lava-Jato, ou porque o governo foi incompetente. O setor elétrico, a China está comprando inteirinho. Chinês está interessado em infraestrutura, estradas, ferrovias, energia elétrica, portos. Se estiver a venda o país, eles compram o Brasil. Americanos e europeus estão comprando supermercado, alimentos, fábricas.
Mas isso não é um pouco assustador?
Não me assusto muito com isso, não faz muita diferença se dono é o João da Silva ou o John Smith. Se der emprego e produtividade, está ótimo. O que a gente precisa é de crescimento. Se o empresário nacional puder fazer, melhor. Se não puder, ponha como coadjuvante, participante, o estrangeiro, e não há grande problema.
Não dá um sentimento de "africanização", uma vez que a China avançou também sobre a África?
Acho que não, porque o modelo chinês, nesse aspecto, é muito interessante. Tenho acompanhado o setor elétrico em São Paulo. Eles têm tentado preservar ao máximo a mão de obra local. Tirando alta diretoria, o resto não mudaram ninguém. Aliás, os brasileiros estão eufóricos com a China, porque eles estão dando promoção, estão falando em aumento de capacidade, de investimento, treinamento, em setor que estava andando de lado.
Nesse longo prazo que o estrangeiro olha, a visão fica mais clara?
Hoje há grande concordância sobre o que tem de ser feito. Independentemente de quem aparecer em 2019, se não for um aventureiro, um populista, um ditador ostentando criar um governo de exceção, a gente caminha gradualmente nessa direção. É questão de governabilidade, de conseguir fazer alguma coisa. Com o caixa furado, não se faz nada, então vai ter de arrumar contas, não tem saída. E mexer com privilégios. Será decisão do povo brasileiro, não de governo. Então quem a gente eleger é que vai pilotar esse processo. No Congresso, no Executivo, e eu diria que do jeito que está indo a coisa nesse instante, qualquer que seja o governo, vai se adiantar, vai se avançar no ajuste fiscal e na reforma fiscal.
Sobre mexer com privilégios, embora haja consenso da necessidade de reforma política, é a mais difícil de ser feita. É possível, em algum cenário?
Sim. Alguma coisa já existe e vale para as próximas eleições, como a proibição de contribuições de pessoas jurídicas. Está se discutindo a cláusula de barreira. Alguma mudança adicional deve ocorrer. Tem de ser feita nesse ano, porque precisa ter um ano para ter validade para 2018. Inclusive, a proposta de mexer no foro privilegiado é bastante radical, sobra para pouca gente, só para três presidentes: o da República, o da Câmara e o do Senado. Sou otimista com relação ao Brasil. O que me desespera é que a gente espera chegar à beira do precipício para fazer as coisas, não planeja antes. Então chegou a hora em que estamos à beira do precipício, mesmo. E vai fazer, porque a gente não vai querer pular, porque não sabe se tem rede lá embaixo, senão pularia.