Responsável por implantar, em 1999, o regime de metas de inflação, principal instrumento usado pelo Banco Central para definir o juro básico, Sérgio Werlang estava exasperado com a demora na redução da taxa Selic. Além de prever que o novo ciclo de queda leve a taxa anual a 5% até dezembro, o economista avalia que o BC pode e deve cortar profundamente o recolhimento de depósitos compulsórios, que contribui para esterilizar recursos e encarecer o crédito para os consumidores, porque é um custo para os bancos.
O BC já deveria ter cortado o juro?
Estou falando isso desde fevereiro.
Por quê?
A atividade econômica desacelera, a expectativa de inflação está contida. Não consegui entender por que o Banco Central não diminuiu a taxa, não tem razão para diminuir. O canal pelo qual a taxa de juro afeta a inflação é fazendo com que a atividade econômica desacelere. Isso já estava ocorrendo, então não tinha nenhuma pressão inflacionária vindo da demanda, essa era razão.
Há preocupação sobre a diferença de juro entre EUA e Brasil, isso ajuda a explicar a demora?
Poderia ser em alguma ocasião, mas agora certamente não. A atividade econômica está desacelerando claramente, então juro de 6,5% estava acima da taxa neutra, estávamos nesse patamar desde maio de 2018. Na verdade, desde antes, mas desde maio de 2018, o BC menciona que era uma taxa estimulativa. Obviamente, não é, então tem de baixar mais. Tanto que vamos ter inflação abaixo da meta e crescimento pífio neste ano, em boa parte porque o BC não cortou a taxa de juros antes.
Economistas dizem que se o juro brasileiro for muito baixo, deixa de atrair capital externo, por ter maior risco...
Não é determinante, dinheiro bom entra para bolsa, para investimento direto, esse dinheiro de renda fixa é mais arisco. Não é que não seja bom, entra rápido e sai rápido, é mais volátil. O dinheiro que entra para bolsa leva mais tempo, e para o investimento direto, mais tempo ainda.
Se mira o crescimento, o BC avança para um modelo americano, de duplo mandato?
O sistema de metas para inflação diz com clareza que o foco é inflação sob controle, expectativas ancoradas, pronto. Se não tem crescimento, não tem pressão inflacionária, pelo contrário, está decrescendo, está desacelerando, então tem que cortar o juro, isso é meta de inflação.
O que esperar do novo ciclo de queda?
O BC deveria fazer dois cortes de 0.5 ponto percentual (pp) mais uma de 0,5 ou duas de 0,25, no total um ponto e meio. Se o Banco Central americano baixar mais a taxa ou não, nosso juro está errado.
E o que falta fazer para que o corte chegue na ponta do crédito?
A Agenda BC+ é fundamental para isso. Mas mesmo que não chegue à ponta, o corte estimula a economia.Tem várias remunerações ligadas à Selic. O corte não chega ponta para consumidores de maior risco, mas com certeza chega para empresas corporate, para quem pegou empréstimo atrelado ao CDI, ou seja, sempre tem algum efeito. Tem efeito prático mesmo, muita empresa pega recurso indexado ao CDI, então cai a Selic, cai o CDI. Pode até ser que não chegue aos consumidores, se for um corte pequeno, mas se for um razoável é capaz de chegar sim na ponta, mesmo nos consumidores de maior risco. Se passar a reforma da previdência, a economia entra em outro caminho, fiscalmente sustentável, isso muda substancialmente a situação. Vai diminuir muito o risco e a volatilidade do mercado.
Cortar os depósitos compulsórios, como chegou a anunciar o ministro Paulo Guedes, pode ser uma forma de acelerar a redução do crédito?
Dá para fazer, sim, evite décima vez só de uma vez só, não tem necessidade de manter o nível atual de compulsório. Estamos com muita capacidade ociosa, tem pouquíssimo risco de ter de reverter a liberação. Uma coisa é patinar com inflação alta, outra coisa é patinar com juro parado, inflação sob controle, atividade econômica desacelerando. Quando tem essa combinação, fica um pouco mais complexo.
E por que já não foi feito? Havia necessidade de esperar pela reforma da previdência?
Claramente esse quadro se definiu no último trimestre de 2018, mas não estava claro. Por volta de fevereiro, era claro que iria acontecer. Então, a partir do momento que ficou claro, eu não via razão nenhuma para não ter esse corte da Selic. Seguindo a lógica, deveria ter ocorrido lá atrás, quando tinha menos chance ainda da reforma ser aprovada. Então, não consigo entender esse raciocino de que tem esperar a reforma passar. Do ponto de vista econômico, 6,5% é uma taxa de juro que não estimula, isso é óbvio.