Os moradores das ilhas de Porto Alegre são os primeiros a sair de casa e os últimos a voltar durante as enchentes. Sem diques, a água invade as moradias mesmo nas cheias regulares do Delta do Jacuí e do Guaíba. As enchentes extraordinárias, como em 1941 e 2024, são devastadoras no bairro Arquipélago. A água encobre as casas. Em alguns pontos, ficam visíveis apenas as copas das árvores mais altas.
Em 1941, na Ilha da Pintada, a principal do arquipélago, moravam apenas 400 pessoas, a maioria vivendo da pesca. O repórter Abdias Silva, da Revista do Globo, visitou a comunidade depois de baixar parcialmente a água. Ele resumiu que a "Ilha da Pintada, que já era uma colônia pobre, ficou reduzida a destroços". Algumas casas só ficaram de pé "por um verdadeiro milagre"
A Ilha da Pintada era formada por "pobres homens que ganham a vida com o espinhel ou a tarrafa", ficando uma ou duas semanas fora de casa, sem a certeza de voltar com a canoa cheia de peixes. Depois da grande enchente, o jornalista descreveu "cadeiras e fogões espalhados pelos campos, colchões pendurados aos ramos das árvores e até encontrei, num monte de objetos recolhidos e expostos ao sol para enxugar, uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes desfigurada e roída pela ação das águas". A correnteza levou móveis e animais de criação.
A lancha 13 de Maio ficou ancorada na sede da colônia, servindo de abrigo provisório. Os pescadores transportavam para lá suas famílias, conduzidas depois em canoas para abrigos em Porto Alegre. Durante a enchente, mais de 100 pessoas permaneceram na lancha. Em Porto Alegre, na metade de maio de 1941, mais de 17 mil moradores, de diversos bairros, estavam em abrigos.
O presidente da Colônia de Pescadores Z5, Gilmar da Silva Coelho, lembra das histórias compartilhadas pelo avô Alfredo Gonçalves. Ele contava que o rio arrastou quase tudo, levando a casa e o dinheiro guardado no forro. A família buscou refúgio na praia de Sans Souci, que na época pertencia a Guaíba, atualmente município de Eldorado do Sul.
Em 2024, de acordo com a prefeitura de Porto Alegre, chega a sete mil o número de moradores apenas na Ilha da Pintada. A população precisou deixar as casas novamente. Moradores não conseguiram ainda retornar para avaliar os prejuízos. A enchente atual é maior do que em 1941.
Como foi a enchente de 1941
A chuva no Estado começou em 10 de abril, uma Quinta-Feira Santa. Por 35 dias, o Estado foi castigado pelos temporais. Em Porto Alegre, choveu em 22 dias neste período, acumulando 619,4 milímetros.
Depois do caos no interior, os rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí encheram o Guaíba. Com 272 mil habitantes, Porto Alegre ficou com suas principais áreas comerciais e industriais embaixo d´água no início de maio, quando o vento Sul represou o Guaíba.
Baseados na experiência de outra grande enchente, de 1928, muitos porto-alegrenses demoraram para se convencer da gravidade. Em 8 de maio de 1941, o nível do Guaíba atingiu a marca de 4,76 metros no Cais Mauá, onde a cota de inundação é de três metros.
As consequências da enchente de 1941 foram sentidas por muito tempo. Em 1967, outra cheia do Guaíba deixaria partes da cidade embaixo d´água. Depois dos traumáticos episódios, Porto Alegre construiu o muro da Avenida Mauá e um sistema de diques.
Na enchente de maio de 2024, a marca de 4m76cm foi superada no início da noite de 3 de maio. No madrugada de 5 de maio, foi registrada a maior marca da história do Guaíba no Cais Mauá: 5m35cm.