Três anos depois, a construção de um trecho da nova ponte do Guaíba volta aos holofotes. Agora, sob a análise final da Controladoria-Geral da União, órgão de controle interno do governo federal. A obra já custou R$ 779 milhões aos cofres públicos.
O relatório da auditoria tem 76 páginas e faz uma ampla análise sobre toda a construção. Aponta os erros que foram identificados, como demora de execução, contingenciamento de recursos ao longo dos anos, demora na remoção das famílias e avalia o trecho da ponte erguido na região do Canal Furado Grande.
O documento destaca que a construção em questão ficou em desacordo com o Manual de Projeto de Obras de Arte Especiais do Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (Dnit). Em março de 2019, a Ecoplan Engenharia - contratada para fazer a supervisão da construção - comunicou o Dnit, avisando que o trecho fora construído 44 cm mais baixo do que havia sido exigido no edital.
"Acerca deste tipo de ocorrência, como regra basilar, tem-se que quaisquer obras, acorde a legislação e a boa prática da engenharia, devem observar fielmente os projetos, normas e manuais previamente pactuados, bem como as técnicas construtivas adequadas, de forma a entregar aos seus usuários a segurança, a funcionalidade, a durabilidade, a qualidade e o desempenho esperados", diz o documento da CGU.
Após a polêmica, o Dnit apresentou estudo da Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), Instituto de Pesquisas Hidráulica (IPH) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Esse material destacava que a cota de cheia analisada para a nova ponte era a mesma de construções do Cais do Porto Alegre, Muro da Mauá e obras da Região Metropolitana.
Porém, a CGU alerta que esse levantamento posterior se ateve a analisar as cheias ocorridas na região no passado. Não foi emitido parecer sobre o uso da estrutura com a segurança ou se era adequável ao trecho da ponte objeto de debate.
E a CGU lembra que, antes da obra começar no local, o Dnit sabia que a ponte seria construída mais baixa, pois recebeu os projetos da construtora Queiroz Galvão em desacordo com os parâmetros definidos pelos estudos hidrológicos aprovados pela própria autarquia, que também estavam em desacordo com a recomendação do Manual de Projeto de Obras de Artes Especiais do Dnit. Segundo a CGU, esse erro fez com que a obra praticamente parasse por seis meses, trouxe custos adicionais, colocou em dúvida a segurança da ponte e causou prejuízo à administração pública.
Questionado sobre os riscos à estrutura, o Dnit respondeu para a CGU que não existia riscos. Porém, o órgão de controle alerta que "o fato de não existir nenhum risco identificado constitui indicativo da possibilidade de uma inadequada gestão dos riscos por parte da Autarquia, o qual redunda em aumento da exposição aos riscos provavelmente existentes, e não identificados".
Conclusões
A CGU concluiu que o Dnit percebeu tardiamente a execução de trecho da ponte em cota inferior ao previsto inicialmente, e optou por aceitar o que fora executado. À época, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, amenizou as críticas e disse que não havia razão para fazer os ajustes necessários.
O órgão fiscalizador recomenda que o Dnit avalie quais foram as falhas ocorridas, e que adote medidas corretivas e implemente mecanismos que visem evitar a reincidência deste tipo de falha. Também pede que o Dnit adote medidas de responsabilização pelo ocorrido, especificamente em relação à empresa Supervisora, que não acusou o problema em tempo hábil para a sua correção, previamente à execução do trecho.
O que acarreta
As recomendações da CGU são os resultados das auditorias. Quando é verificado risco, irregularidade ou falhas são emitidas recomendações de ações corretivas aos gestores responsáveis. Por ser órgão de controle interno do governo federal, as ações da CGU não tem o mesmo caráter punitivo do Tribunal de Contas da União (TCU), que pode multar, afastar e tornar inelegíveis gestores que malversarem recursos públicos. Porém, a inação ou morosidade excessiva dos gestores no atendimento às recomendações da CGU pode ser objeto de procedimento junto ao Ministério Público Federal e do próprio TCU. Também pode acarretar outras implicações judiciais e administrativas aos gestores.
Repercussões
O diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em recursos hídricos e saneamento ambiental e engenheiro civil, Joel Avruch Goldenfum, avalia que, o edital do Dnit para a nova ponte usou um critério diferente de construção do que o previu a obra da travessia mais antiga, da região do Cais do Porto e de demais construções da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Apesar de ser pouco provável que ocorra algum problema com a construção, o professor avalia que o risco existe.
- Considerando as conclusões da CGU, de que ponte foi construída mais baixa, reduz um pouco a segurança da ponte. E aumenta um pouco o risco de interrupções do tráfego. Tá se assumindo um risco sempre. Em qualquer obra se assume risco. É algo que pode acontecer, mas que tem chance pequena de acontecer. A partir das conclusões da CGU, aumentam os risco de interrupções. É possível? Sim, é possível. É provável? É mais provável do que acertar na mega sena - observa.
Procurado, o Dnit informa que recebeu o relatório, tomou ciência de todas as recomendações, respondeu em abril, e aguarda análise da CGU: "No momento, aguardamos manifestação da CGU quanto ao cumprimento das recomendações solicitadas".
Já a superintendência da Polícia Rodoviária Federal no Rio Grande do Sul diz que até hoje não foram identificados problemas no local. Caso necessite, tomará as medidas cabíveis: "Havendo necessidade, agiremos como em outras rodovias que alagam, fazendo o bloqueio emergencial e acionando o Dnit para solução".
A Queiroz Galvão - empresa responsável pela obra - não quis se manifestar. Já a Ecoplan - empresa supervisora da construção - não retornou as mensagens enviadas pela coluna.
Relembre
O caso veio à tona quando a coluna divulgou que a empresa Ecoplan, responsável por fazer a fiscalização da obra, informou ao Dnit, em março de 2019, que a altura da ponte no trecho deveria ser de 4,10m. A metragem atendia o Manual de Hidrologia Básica para Estruturas de Drenagem do próprio órgão federal.
Em abril do mesmo ano, a autarquia determinou a interrupção dos trabalhos para que uma investigação fosse realizada. Mas, em julho, a construtora Queiroz Galvão recebeu a autorização para retomar o trabalho na região.