O deputado subiu ao plenário para dizer que as mudanças que o país tanto necessitava não seriam alcançadas por meio de uma reforma constitucional, mas só "por um ato revolucionário, embora (isso) seja um golpe de Estado". O nobre parlamentar julgava que golpes eram "lamentáveis", mas "admissíveis em casos extremos". Outro deputado, do mesmo partido, foi à tribuna para tranquilizá-lo, afirmando que não era golpe, na medida em que era "legal todo ato que satisfaz a vontade do povo". E o povo – pelo menos as 8 mil pessoas que naquele instante cercavam a Câmara – parecia estar pronto para sapatear na Constituição.
Bem que os liberais tinham tentado seguir a ordem e o regimento. Ocorre que todos os projetos apresentados por eles para alterar o maldito artigo 121 da Constituição tinham sido derrubados pelos conservadores, e por mais de três vezes, e ao longo dos últimos quatro anos.
Desde a abdicação forçada de seu pai, em abril de 1831, D. Pedro II era formalmente o imperador do Brasil. Mas a Constituição dizia que ele só poderia assumir o poder quando completasse 18 anos – e o pirralho tinha apenas 14 naquele turbulento ano de 1840. Então, os liberais deram início à campanha "maioridade já".
No começo de junho, o projeto dos chamados "maioristas" quase adquiriu um verniz de legalidade: por apenas dois votos (18 a 16), o Senado deixou de aprovar a moção do senador José de Alencar que tornaria D. Pedro II apto a assumir imediatamente o comando da nação. Depois daquela derrota aos 48 do segundo tempo, o clube da maioridade não parou mais de conspirar. O deputado Clemente Pereira então ousou usar a palavra "golpe" em plena tribuna. Seu nobre colega, o deputado Rocha Galvão, corrigiu-o: não é golpe se o povo assim o quer...
Então, em 22 de junho de 1840, os deputados liberais, liderados por Antônio Carlos de Andrada (irmão de José Bonifácio), abandonaram a "Câmara prostituída" e dirigiram-se em ruidosa passeata à sede do governo, na Quinta da Boa Vista. Lá, simplesmente passaram o poder às mãos de D. Pedro II, mandando a lei às favas. Sem maiores formalidades.
Reunido numa praça, no coração do Rio de Janeiro, o "povo" dançava, cantando:
Queremos D. Pedro II / Embora não tenha idade
A nação dispensa a lei / E viva a maioridade.
Muitas nações já dispensaram a lei. Mas quantas o fizeram de forma tão alegre – em prosa e verso, com rima e dança?
Bom, mas olhando bem para a cara do atual Supremo Tribunal Federal, acho que também já estou preferindo um bom batuque, uma gafieira, um baião, um frevo, um fandango, um xaxado, um xote, um vanerão, uma valsa, um bumba meu boi. Até um baile funk na boquinha da garrafa – que, aliás, é bem a cara do país. Qualquer tipo de bailado – menos, é claro, o partido-alto e a dança de salão...