Você sabe: o Brasil entrou oficialmente no curso da História por meio da carta de Pero Vaz de Caminha. Repleta de frescor e minúcias, aguda e vivaz, a carta esculpe, na fragrância de seus retratos e na acuidade de suas observações, um cântico à tolerância e um elogio às diferenças. É uma profecia, umbrosa e aromática, que o Brasil ainda não foi capaz de cumprir. Mas, se tivesse sido enviada pelos Correios, vai ver que só agora estaria chegando às mãos do rei D. Manuel.
A carta mais dramática escrita no Brasil foi redigida por Getúlio Vargas no leito de morte, no Palácio do Catete. Acuado por seus inimigos e enredado nos dramas e nas tramas dos próprios desmandos, Vargas transformou o "tresloucado gesto" num golpe de mestre: o tiro que rebentou seu coração também acertou em cheio a cabeça de seus algozes. E Getúlio saiu da vida para entrar na História. Mas, se ele tivesse postado sua carta, o povo brasileiro talvez ainda não a tivesse recebido.
Silvério dos Reis denunciou a Conjuração Mineira por carta. D. Leopoldina convenceu D. Pedro I a proclamar a independência por carta. D Pedro II foi mandado para o exílio por carta.
Os capitães-donatários, os jesuítas (o gênio Antônio Vieira à frente), os grandes exploradores, os poetas inconfidentes, todos redigiram cartas que moldaram o Brasil – até porque chegaram a seus destinatários. Tarsila e Mário de Andrade; Chico
e Vinicius; Drummond e Bandeira – esses foram pen friends assíduos e fiéis. No tempo em que os Correios existiam.
Se o Unabomber fosse brasileiro, é possível que não tivéssemos vítimas. Talvez só no próprio Correio: é provável que suas famigeradas cartas-bombas explodissem no depósito antes de chegar ao destino. Bem, pensando assim, até que...Deixa para lá. Eu só estava querendo que o Brasil voltasse a ter Correio, como teve uma vez.
Mudando de saco para mala, mas sem perder a ternura jamais: nos tempos em que bullying ainda se chamava prevalecimento e o mundo selvagem ditava as regras na hora do recreio, quem se chamasse Júnior parecia destinado ao cadafalso. Agora, imagine ser Júnior e ter jeito de almofadinha. Ser Júnior e depois virar um Tiozinho da Sukita. Ser Júnior e se eleger deputado. E ser Júnior sendo que o sênior foi um pilar do movimento Diretas Nunca. Eu não desejaria isso nem para meu pior inimigo – e quase justificaria a sede de vingança do padecente.
Mas desprezar a venerável Feira do Livro e vetar os R$ 400 mil liberados pela Frente Parlamentar da Leitura para o programa Adote um Escritor (sucesso desde 2002), aí já é revide demais... Ainda bem que na segunda-feira tal veto poderá ser derrubado na Câmara, caso obtenha 19 votos favoráveis. Suponho que pelo menos a metade mais um dos 36 ilustres vereadores de Porto Alegre saibam ler. Ou já estou querendo demais?