Depois que Charles Dickens – o “homem que inventou o Natal” – publicou em 1843 seu clássico A Christmas Carol, escrever um conto natalino virou obrigação, quase um fardo, para qualquer escritor que se preze. Não sei se me prezo, mas sei que sou escritor. Por isso, escrevi meu conto de Natal: turbulento e sombrio de início, com reviravolta redentora – dickensiana, digamos – ao final, como convém ao espírito natalino. Publiquei-o nessas páginas, há exatos cinco anos.
Sou grato a RBS, onde comecei minha carreira há meio século. Sei que as portas seguem abertas.
Mas cinco anos se passaram desde que voltei a ZH e meu sonho de Natal não se concretizou. Nem aqui, nem fora daqui. Tal devaneio consiste em não ter que escrever o que se passa pela minha cabeça e julgo ter que comunicar. Eu apenas pensaria e, num passe de mágica – um milagre de Natal! –, o texto brotaria da página, conciso, luminoso, translúcido e com certeza transcendente. Mas, não. Continuo tendo que labutar, feito Kerouac, suando uma camiseta atrás da outra; como Henry Miller parado diante do retrato de Dostoievski numa vitrine noturna na rua enregelada; como o próprio Dostoievski sob a luz baça de vela em seu catre de prisioneiro na Sibéria. Feito Dickens, sob peso das dívidas e das dúvidas, escrevendo Uma Canção de Natal.
E assim, já que o sonho de transmitir tudo por um toque do dedo – igual à pintura de Michelangelo na qual Deus toca o homem (e pela amarga constatação que não sou um deus) – decidi...largar. Sim, amigos, larguei. Chega. Basta. Game over. A última tentativa – às vésperas do nascimento do pobrezinho de Belém (já ouço o tilintar dos sinos?) – foi ver essa coluna materializar-se na tela num piscar de olhos. De novo, não rolou. Então, para o desespero de milhões de leitores, admiradores e fãs – e rancor ainda maior de meia dúzia de detratores –, digo ao povo que fui. E não adianta cercar a redação com tridentes e archotes, pois a firma, feliz em conter a sangria representada por meus polpudos emolumentos, já concordou.
Sério agora (não que meu sonho não o fosse). Envolvido na criação de duas séries e dois documentários e escrevendo dois livros (um deles atrasado há três anos), e sem que nada disso se concretize sem esforço, decidi me aliviar do peso dessa coluna de Hércules. Bem sei que será um baque na sua vida, mas você poderá continuar me seguindo no canal Buenas Ideias, no YouTube, onde sigo jogando palavras ao vento, sem ter que medi-las – e muito menos escrevê-las.
Sou grato a RBS, onde comecei minha carreira há meio século. Sei que as portas seguem abertas. Tanto é que talvez aceite, no futuro, um cargo no conselho. Nasci para dar conselhos. Basta ignorá-los que é sucesso garantido. Como num sonho de Natal.