Era uma vez, fins da década de 1970, e eis que tive uma ideia genial. Está certo que quase ninguém mais achou que fosse. Mas eu achei. Para dizer a verdade, talvez ainda ache. O plano mirabolante consistia em processar o governo porque, ao me impedir de fumar maconha, ele estava me impedindo também de exercer minha profissão: o duro ofício de escrever.
Meu irretocável enunciado seria assim: em primeiro lugar, eu, indubitavelmente, era um atleta, pois já havia corrido quatro maratonas (a melhor em três horas e 13 minutos) e nadava feito peixe (50 metros em 28 segundos). Está certo que tais índices tinham sido obtidos sem exame antidoping, mas poxa... Era também marido exemplar e, para provar, convocaria ao tribunal minhas duas ex-mulheres – mesmo que isso talvez viesse a aumentar meus gastos com os advogados delas. Como sempre fui pai extremoso, minhas filhas, lágrimas nos olhos, provas vivas, seriam igualmente intimadas a depor (um acréscimo na mesada delas não iria me arruinar).
Também seria preciso deixar claro que estávamos frente a um profissional dedicado e muitíssimo bem-sucedido; bem dizer, um gênio (tese a ser defendida pela senhora minha mãe). Mamãe, aliás, estaria lá para provar ainda que eu era o protótipo do bom filho (já meu pai, o "eterno ausente", não daria as caras). Por fim, só restaria deixar claro que eu era um modelo de equilíbrio psicológico – a ideia aqui consistia em subornar um psiquiatra (pois julguei que uma pitada de ilegalidade não iria corromper o sacrossanto processo). Em suma, o juiz deveria concluir que estava diante de um típico caso mens sana in corpore sano...
Seria então chegada a hora da pergunta que não queria calar: baseado em que critério um pai, marido, filho, atleta e profissional exemplar, genuíno portento (poxa, mãe, não exagera), não podia fumar baseado? Isso encaminharia o caso para seu ápice: eu teria que provar que não conseguia escrever sem dar uns pegas. Assim, ficaria sentado diante da minha velha Remington horas a fio, incapaz de redigir uma só linha. Um caractere que fosse. Então, meu advogado (com permissão do juiz) diria para eu acender aquele beck (de boa qualidade, plantado em minhas próprias terras, sem agrotóxicos e sem – oh, céus – a intermediação de traficantes). Eu daria dois tapas e, num átimo, num jorro criativo, num surto de fecundidade, faria brotar um texto irretocável, um autêntico poema em prosa, digno de Rimbaud (talvez previamente decorado, mas eu simularia o improviso).
Mas não era o plano perfeito: estávamos em pleno regime militar e nenhum advogado topou me defender. Deve ser por isso que tenho bronca de advogados. Mas, felizmente, passados 40 anos, todo mundo sabe que a erva sagrada é medicamento. Está liberada em 33 países – inclusive na Coreia do Norte! E é vendida em farmácias até no Colorado. Mas lá, não vou.
Afinal, não sou dependente: fumo há 40 anos todos os dias e nunca me viciei!