Ao decretar a instauração do primeiro governo-geral do Brasil, em fins de 1548, a Coroa portuguesa pretendia garantir a defesa da terra, incrementar a cobrança de impostos e, acima de tudo, assegurar a aplicação da justiça na colônia, cujo quadro geral configurava "pública ladroíce e grande malícia". As desordens da lei eram "cousa de causar espanto", pois boa parte dos cargos judiciários era exercida por degredados, "que não os conhece a mãe que os pariu", que "não possuíam livros de querelas", que não haviam "estudado muito menos prestado juramento" e, por isso, proferiam "sentenças sem ordem nem justiça".
O homem escolhido pelo rei dom João III para a árdua tarefa de implementar a lei e a ordem nos tristes trópicos foi o desembargador Pero Borges, autor das frases citadas acima. Em dezembro de 1548, o doutor Borges foi nomeado o primeiro ouvidor-geral do Brasil – o equivalente hoje a ministro da Justiça. Apesar das dimensões hercúleas da tarefa depositada em seus ombros – e do poder concentrado em suas mãos –, o doutor Borges não tinha a ficha limpa.
Em 1543, quando era corregedor de Justiça no Alentejo, ele havia sido encarregado pelo rei de supervisionar a construção de um aqueduto. Quando a obra parou por falta de verbas, "um clamor de desconfiança se levantou no povo" e os vereadores da cidade instauraram uma comissão de inquérito. A conclusão foi que o doutor Borges recebera "indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas à casa, sem a presença do escrivão". O inquérito apurou que ele havia desviado 114.046 réis (equivalentes a um ano de seu salário).
Em 17 de maio de 1547, após o julgamento ser postergado por três anos, Pero Borges foi condenado a "restituir à custa de sua fazenda o dinheiro extraviado" e impedido de exercer cargos públicos. Exatos um ano e sete meses depois, em 17 de dezembro de 1548, ele foi escolhido pelo rei para ser o primeiro ouvidor-geral do Brasil. Sua carta de nomeação determinava que "todas as autoridades e moradores da colônia lhe obedeçam e cumpram inteiramente suas sentenças, juízos e mandatos, em tudo o que ele fizer e mandar".
Antes de partir de Lisboa, em 1º de fevereiro de 1549, Pero Borges recebeu um ano de salário adiantado e obteve pensão de 40 mil para a esposa. Mas não consta que, no Brasil, tenha recebido auxílio-moradia – nem feito greve para garantir o benefício.