Era já noite quando cheguei à Ponta do Gasômetro para fazer um passeio de reconhecimento pela renovada orla do Guaíba, tão apropriadamente chamada de Orla Moacyr Scliar. Havia ainda muita gente por lá, caminhando de mão no bolso, conversando sem pressa, sorvendo mate. Uns dedilhavam o violão, outros andavam de bicicleta ou deslizavam de skate. Da calçada, minúsculos pontos de luz pareciam refletir as estrelas. As pessoas se agachavam para tocá-los, riam enquanto exploravam a novidade. Estavam felizes.
É tão simples. A cidade se realiza quando as pessoas estão na rua. Neste tempo de medo, a orla do Guaíba é uma vitória da civilidade, um suspiro de alívio de Porto Alegre.
Quem sabe estejamos saindo da adolescência. Quem sabe estejamos nos aproximando da maturidade. Quem sabe?
Lembro quanta gritaria houve para impedir que esse projeto fosse realizado. O Rio Grande do Sul é o Estado da oposição. Você quer fazer sucesso entre os gaúchos, seja do contra. Ressalte os defeitos, reduza as qualidades. Diga que não vai dar certo. Até porque, com todos agindo desta forma, você terá razão: nada vai dar certo.
Mas talvez isso esteja mudando. Vejo as pessoas fartas de tanto debate, desviando das polêmicas como se elas fossem gatos pretos, respirando fundo quando alguém despeja numa roda um dogma político duro de pedra. Quem sabe estejamos saindo da adolescência. Quem sabe estejamos nos aproximando da maturidade. Quem sabe?
Pedro Ernesto, esse romântico, e o cemitério dos elefantes
O Pedro Ernesto Denardin é um romântico. Ele tem aquela voz de Jeová ditando os mandamentos a Moisés, ele parece durão como um Kannemann, ele canta músicas gaudérias e jura guardar, dentro do peito, um paralelepípedo em lugar do coração. Mas não é nada disso.
A verdade é que Pedro ama.
Ama Jussara, sua ilustríssima. Tanto que, meio para o final da Copa, ele a chamou ardorosamente à Rússia: queria com ela desfrutar uma segunda lua de mel. E Jussara foi, e se juntou a nós em Kazan, justamente em Kazan, o "cemitério dos elefantes", onde acharam sepultura o Brasil, a Alemanha e a Argentina.
Pois foi na véspera do jogo do Brasil com a Bélgica que o amoroso Pedro levou a doce Jussara para um jantar às margens do Volga, na orla de Kazan. Estavam tão felizes, os dois, gostaram tanto da experiência que, generosamente, nos ligaram:
– Venham para cá! – ordenou o Pedro. – É muito bom! Vocês não vão se arrepender.
Obedecemos. E foi talvez o melhor jantar das nossas noites russas. Era uma cantina italiana graciosa, que servia uma comida tão apetitosa como se estivéssemos na Toscana. Terminado o repasto, saímos caminhando pela orla, aproveitando o verão setentrional. Posso dizer, sobre a orla do Volga, que é muito parecida com a do Guaíba. Com duas diferenças:
1. A do Guaíba é mais bonita.
2. A do Volga é melhor.
Por que isso?
Porque os russos deram asas ao capitalismo, e por lá o capitalismo voou. A orla de Kazan é repleta de bares alegres e lojas de excelência, além de restaurantes sofisticados, como aquele em que encontramos o feliz casal Denardin. As pessoas vão à orla do Volga e consomem e se divertem e movimentam a roda da economia e geram empregos e lucros e satisfação a toda a gente.
Quem diria? Os russos, esses velhos comunistas, não têm vergonha do dinheiro.