Já sinto saudade da Copa. As pessoas dizem que, encerrada uma Copa do Mundo ou qualquer outro evento grandioso, a gente volta à realidade pequena e cinza do dia a dia. Não é assim. A realidade não são os buracos nas ruas da cidade, a discussão política truculenta, gente reclamando da vida. Não. A realidade é como a Copa, feita de culturas exóticas, monumentos imponentes, lugares bonitos, pessoas sorridentes, comidas suculentas.
É essa a realidade que quero para mim. Você que escolha a sua. O buraco aberto no asfalto? Desviarei dele. O debate político ou futebolístico travado como se fosse crença religiosa? Não participarei dessa demência, não responderei a provocações, repetirei a máxima que guia a vida do meu amigo Jorge Barnabé: “A melhor resposta para a ignorância é o silêncio”.
Até porque nós não vamos mudar a opinião de ninguém, não é mesmo? Os homens desenvolvem amor de mãe por suas opiniões: mesmo quando estão erradas, eles as defendem.
Claro, eventualmente poderemos falar de coisas ruins. O mundo tem lá seus perigos e suas esquisitices. Agora, chegando ao Brasil, fiquei sabendo do estranho caso do Doutor Bumbum. A princípio, achei que estavam brincando comigo. Era bizarro demais. Como pode alguém consultar um suposto médico que se intitula “Doutor Bumbum”? Vi um vídeo em que ele, Bumbum, faz sua própria propaganda. Bumbum beija o ombro, pisca para a câmera e apregoa:
– Quando visto este jaleco verde, o bicho vai pegar!
Que coisa extraordinária. Se fosse ficção, ninguém acreditaria. Essa é a vantagem da realidade sobre a literatura: a realidade pode ser inverossímil.
Essa é a vantagem da realidade sobre a literatura: a realidade pode ser inverossímil.
É que as pessoas querem acreditar em extravagâncias. Um político se gaba, faz promessas vãs, bate no peito e jura que vai salvar a pátria. As pessoas ouvem aquilo e SABEM que é tudo falso. Mas, mesmo assim, votam nele. Às vezes, o veneram. Como pode alguém venerar um político? É o mesmo princípio do paciente que procura o Doutor Bumbum.
Por que as pessoas se comportam dessa forma? Por que elas se deixam embair pela fantasia improvável, pela mágica impossível?
Respondo com o que escrevi na abertura do texto: porque a vida tem de ser mais do que o ramerrão do dia a dia.
Belchior cantava: “Sei que nada é divino, nada é maravilhoso, nada, nada é sagrado, nada é misterioso”. Estava errado, o velho menestrel. O mundo pode ser divino, pode ser maravilhoso, pode ser sagrado e certamente é misterioso. Depende de como você olha para ele. Prefiro esse mundo. É melhor viver num lugar assim. Mas, é claro, sem ilusões. Sem Doutores Bumbuns. Sem políticos falastrões. Sem prestidigitação. Apenas com as divinas, maravilhosas, sagradas e misteriosas realidades racionais de cada dia.