São Petersburgo é o luxo ostentatório do czarismo; Moscou é a grandiosidade sombria da União Soviética. Entre uma cidade e outra, e entre uma época e outra, a Rússia traça um novo caminho e um novo tempo. É como se fossem três Rússias diferentes, e todas são interessantes.
O símbolo dessa Rússia moderna talvez seja a Catedral do Cristo Salvador, a segunda igreja mais famosa de Moscou, perdendo apenas para a de São Basílio, plantada na Praça Vermelha, diante do Kremlin. Essa Catedral do Cristo Salvador é igualmente belíssima: toda branca, com gigantescas cúpulas douradas elevando-se ao céu da capital de todas as Rússias.
A catedral foi construída a mando do czar Alexandre III para comemorar a vitória sobre Napoleão Bonaparte. Quando Stálin chegou ao poder, decidiu que a catedral devia ser demolida para dar lugar ao Palácio dos Sovietes, que seria encimado por uma estátua de cem metros de altura de Lênin. Seguindo esse plano, a catedral foi dinamitada nos anos 1930. Há, nos porões da internet, fotos do momento da explosão.
O palácio começou a ser construído, mas então Hitler desencadeou a Operação Barbarossa e invadiu a União Soviética. As obras foram paralisadas. No lugar das fundações do palácio, os soviéticos instalaram o que chamaram de "maior piscina aberta do mundo". Mas, no fim dos anos 1980, a União Soviética se desuniu, a piscina foi fechada e, no lugar, foi reconstruída a catedral exatamente como era no século 19.
A Catedral do Cristo Salvador, portanto, tem 200 anos. O que pode ser considerado pouco para uma cidade que já chega aos mil. Mas ela resume a história do país, porque marca duas vitórias improváveis sobre dois conquistadores ferozes, Napoleão e Hitler, foi erguida pelo czarismo, que não existe mais, derrubada pelo comunismo, que também não existe mais, e reerguida pela nova Rússia.
Essa Rússia é exatamente o que se tornou a catedral: uma mistura de épocas e regimes, sem ser nenhum inteiramente. Porque a Rússia é, sem dúvida e com toda a solidez, capitalista. Mais, até: a Rússia aderiu ao capitalismo de forma alegre e entusiasmada. Há alguns saudosos do antigo stalinismo, claro. Esses sempre existirão, vide os brasileiros que pedem a volta do regime militar. Só que basta dar uma rápida olhada em como vive a atual sociedade russa para perceber que o comunismo, por aqui, tem tanta chance de voltar ao poder quanto o Panamá de ganhar a Copa do Mundo.
As russas vestem-se com as grifes mais elegantes da Europa Ocidental, os russos dirigem carros americanos, coreanos e japoneses. Todos compram em filiais de lojas que também podem ser encontradas em São Paulo, Londres ou Nova York, e, em plena Praça Vermelha, na frente do Mausoléu de Lênin, resplandece o GUM, antes uma loja estatal, hoje transformado em shopping center, mas não qualquer shopping center: trata-se do mais caro shopping center do mundo.
A Rússia é mais capitalista do que o Brasil.
Mas seu regime político é quase uma ditadura. Mesmo assim, nunca, em toda a sua história, o povo russo experimentou tanta liberdade. Tudo parece se contrapor, ao mesmo tempo em que tudo coexiste. A Rússia é ocidental e oriental, formada por um povo parte mongol, parte viking, parte búlgaro, que fala uma língua complicada e escreve em um alfabeto mais complicado ainda. São pessoas reservadas, desconfiadas, mas dispostas a se abrir para o mundo. Gostam do seu polêmico presidente, mas muitos fazem-lhe duras críticas. O que é realmente a Rússia? Nem os russos saberiam responder.