Um avião da companhia aérea Voepass com 62 pessoas caiu em um condomínio residencial em Vinhedo (SP), na sexta-feira (9), e ninguém sobreviveu. É o acidente que teve o maior número de vítimas desde a tragédia da TAM em 2007.
Num desastre aéreo, o primeiro pensamento que vem à tona é que poderia ser você. É uma morte coletiva que coloca todo mundo mentalmente dentro do avião. Você recorda a sua família, os seus amigos, imagina o que o seu círculo de afetos estaria sofrendo com o seu desaparecimento repentino.
Pois não tem como escapar. É, ao mesmo tempo, um infortúnio tão raro e tão inesperado que nos provoca a mais completa sensação de impotência, de imobilidade emocional.
Ainda não se sabe o que causou a queda. Uma hipótese provável é que a asa tenha perdido completamente a sustentação pela formação de gelo, numa queda em parafuso de aproximadamente 4 mil metros, com velocidade de 440 km/h.
Eu vivo viajando, numa média de seis a oito voos por semana. Eu já embarquei várias vezes pela companhia Voepass, eu já saí do aeroporto de Cascavel, eu já briguei no balcão para garantir meu horário, eu já palestrei em Vinhedo. O avião já havia operado em Caxias do Sul, minha cidade natal.
É uma colcha de casualidades inexplicáveis. Você se sente aliviado pela sua existência poupada e também mortificado por quem não contou com a mesma sorte. É o medo por não ter controle sobre a vida, e pesar porque alguém partiu simbolicamente em seu lugar. É o frio e o quente misturados — suor gélido pela sua sobrevivência e lágrimas quentes tributárias da fatalidade, com tanta gente inocente de seu fim.
Não há como não se ver preso ao “quase”, ao roteiro incessante do “se”.
O avião fez três viagens no dia. Dez passageiros perderam a conexão.
Quantas pessoas embarcaram perto da catástrofe, ou poderiam ter subido para nunca mais naquele modelo ATR-72?
Foi uma salvação por um triz, uma proteção que aconteceu no detalhe.
Um táxi que se atrasou, um carro de aplicativo que cancelou a corrida, um alarme do celular que não tocou, um erro na compra do bilhete: um mero acaso decidiu destinos.
E das sessenta e duas vítimas, quantas tiveram o pressentimento de não ir ou a chance de estar numa outra escala?
Isso mexe com as nossas piores fantasias.
Todo falecido ali se torna nosso parente, porque leva consigo um pouco da nossa morte.
Na aeronave, encontravam-se docentes, médicos, árbitro de judô, representantes comerciais, policiais rodoviários, fisiculturista, procurador, advogado, farmacêutico, veterinária, empresários, comissárias e pilotos jovens, entre tantas profissões e sonhos ceifados.
Não existe como não se desesperar ao descobrir que o servidor do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Rafael, 41 anos, foi buscar a filha de três anos, Liz, para passar o Dia dos Pais em Florianópolis.
Nem os mais crentes em Deus são capazes de justificar tal desígnio. Como a véspera de uma data festiva se transforma repentinamente num pânico do tamanho de um país inteiro? Onde enterrar a saudade?