Enquanto todo mundo cantava o hit do verão, Descer pra BC, da dupla sertaneja Brenno & Matheus, Balneário Camboriú servia de palco para uma tragédia sem precedentes da falta de atenção e descuido.
A cidade no litoral catarinense é famosa pelos seus majestosos arranha-céus, tanto que foi apelida de Dubai Brasileira. É detentora dos edifícios gêmeos Yachthouse Residence Club, os mais altos do Brasil, com 294,1 metros e 81 andares.
Influencers buscam as suas alturas de concreto para obter imagens inesquecíveis e vertiginosas da paisagem que une morros, oceano e a cascata infindável de prédios.
Foi com esse propósito, a caça de um ângulo diferenciado, que Carol Oliveira, 22 anos, subiu no heliponto de um edifício no centro da cidade para fazer gravações com irmão no domingo (8).
Em área restrita, sem proteção e muretas, ela se distraiu e faleceu ao cair de 22 pavimentos. A jovem atleta de futsal, moradora do município vizinho Itapema (SC), adotava o celular como seu par de olhos e não acompanhou os próprios passos que flertavam com o precipício.
O celular vendou a sua visão, e ela não reconheceu o fim do piso.
O mais assustador é que circula um vídeo nas redes sociais com seus últimos momentos antes da queda fatal. Ela caminha pelo heliponto com o olhar fixo, deslumbrado e hipnotizado pela tela, e mergulha sem querer no abismo, avançando nas beiradas do edifício Império do Sol.
Será que não passamos dos limites? Até quando seguiremos com a cabra-cega do aparelho telefônico, vidrados nele, sem mirar para frente e para nós mesmos?
Quantos adolescentes precisam morrer para nos darmos conta da intoxicação digital?
Trata-se da banalização da prudência por um instante efêmero. É uma epidemia emergente que, pelas suas dimensões, já deve ser debatida na área de prevenção da saúde pública.
Por uma postagem no Instagram ou Facebook, que não durará mais de 24h, joga-se fora uma existência inteira — sonhos e projetos —, para o desespero dos amigos e familiares.
É um adeus por uma vaidade, por um motivo fútil, por um perfeccionismo inexplicável.
Viramos drones humanos na ponta de desfiladeiros, telhados e penhascos, inconsequentes do perigo de nossas ações, analfabetos de nossa finitude.
Está acontecendo um estranho turismo da morte, pondo tudo a perder por uma selfie em cenários espetaculares.
Em pesquisa da Fundação iO, organização científica de Madrid (ES), especializada em Medicina Tropical e do Viajante, constatou-se que cerca de 379 pessoas morreram pela selfie perfeita, entre janeiro de 2008 e julho de 2021.
Há dois anos, em outubro de 2022, um turista canadense foi encontrado morto após cair no Parque Nacional Iguazú, na Argentina. Tentava a melhor captura do Salto Bosetti, e se desequilibrou.
Voltados para a visibilidade nas redes, os conteúdos estão cada vez mais radicais. Algumas pessoas se mostram viciadas na adrenalina da validação social e vão se arriscando progressivamente em viagens ou passeios, trocando a segurança pela temeridade.
De igual modo, vigora o hábito de manusear celulares dentro do carro, ainda que seja proibido, ainda que gere multas. De acordo com a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, o uso do celular ao volante já é a terceira principal causa de mortes no trânsito no país, com 150 óbitos por dia e 54 mil por ano. Nada é tão urgente quanto a nossa preservação.
A vida é maior do que um like. A vida é maior do que uma fotografia. A vida é maior do que a necessidade de novos seguidores.