Os incomodados que se retirem?
Não é bem assim.
Quem abandona um país adota uma atitude extrema. Realmente é quando há violação dos direitos básicos da cidadania, é quando há insalubridade, desemprego, miséria e supressão da autonomia. Trata-se de uma medida urgente, que desencadeia o brutal afastamento de parte da sua família e de suas raízes.
O pensador palestino Edward Said talvez tenha melhor definido o que é essa sensação de ruptura de vínculo. Ele a concebe como a quebra de um osso em Reflexões sobre o exílio (Companhia das Letras, 2001): “É terrível de experienciar. Ele [o exílio] é uma fratura incurável entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada”.
Os estilhaços não se recompõem. Se a dignidade humana está representada em tudo o que foi construído com o suor do trabalho ao longo da existência, perde-se subitamente a identidade da memória. Ao morar em qualquer local, você também percebe a si como qualquer pessoa.
O exílio é o gosto amargo de uma derrota coletiva. É uma saída forçada, jamais cogitada. É aquilo que o filósofo italiano Giambattista Vico dizia de “se sentir um estrangeiro em sua própria pátria”.
No caso da Venezuela, aqueles que saíram do país estão inseridos em duas categorias: os que foram expulsos e impedidos de voltar (exilados na acepção literal da palavra); e os que moram voluntariamente em outro país, geralmente por motivos sociais (na condição de expatriados).
É uma situação muito diferente da dos emigrados, com liberdade de escolha, que optaram por deixar seu país por questões pessoais.
Se, apesar das irregularidades escandalosas da nova eleição de Nicolás Maduro, alguém tem dúvida (e segue a conduta periclitante e melindrosa do presidente Lula) de que a Venezuela mergulha numa tirania sem precedentes, basta ver o contingente de evasão de seus habitantes.
Como explicar que existem 7,7 milhões de venezuelanos vivendo fora?
De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), eles migraram desde 2014, no maior êxodo da história recente da América Latina, cobrindo a extensão do primeiro ao terceiro mandato de Maduro.
7,7 milhões de uma população de 28,3 milhões! Um número expressivo que evidencia a opressão.
27,2% da nação atravessou as fronteiras, um a cada quatro moradores procurou refúgio no estrangeiro.
Se fôssemos comparar com o Brasil, proporcionalmente, seria o equivalente a 54 milhões de brasileiros no exterior.
Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações, há cerca de 586 mil venezuelanos acolhidos no nosso país. É só falar com um deles para entender a natureza nada turística do asilo.
Não são indivíduos que buscaram simplesmente uma alternativa de sobrevivência, porém escaparam de um regime autoritário que castiga a pluralidade, censura manifestações, pune dissidentes, persegue artistas e jornalistas de tendências críticas e prende opositores.
Até o Tribunal Supremo de Justiça e o Conselho Nacional Eleitoral têm atitudes suspeitas, condicionadas pelo Executivo.
Nem o WhatsApp é recomendado pelo ditador, que pediu para a população excluir o aplicativo e usar os serviços do Telegram, criado na Rússia, e do WeChat, desenvolvido na China.
Não sobra esperança, essa luz no fim do túnel. O findar da esperança é o mais profundo desterro. As trevas da pátria.