O ano termina com um caso misterioso na cena policial do Rio Grande do Sul.
Um inofensivo bolo coberto de chantilly e cerejas teria provocado a intoxicação de uma família inteira no balneário de Torres. Seis integrantes passaram mal e precisaram buscar atendimento médico na segunda-feira (23).
Três mulheres não resistiram: a professora aposentada Maida Berenice Flores da Silva, 58 anos, sua sobrinha Tatiana Denize Silva dos Anjos, 43 anos, e sua irmã Neuza Denize Silva dos Anjos, 65 anos.
Dois familiares seguem internados no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres, incluindo a confeiteira Zeli, 61 anos, irmã de Maida e Neuza, e seu sobrinho-neto de 10 anos, filho de Tatiana e neto de Neuza. Apenas o marido de Maida se recuperou até o momento.
A primeira hipótese é que tenha ocorrido uma intoxicação alimentar pela ingestão da sobremesa, preparada com produtos supostamente vencidos.
Mas será que itens estragados seriam suficientes como arma letal para resultar em três vítimas? E com mortes tão rápidas e fulminantes?
A razoabilidade de um acidente não é alta. Teria que ser uma exceção da exceção. Por isso, o envenenamento não é descartado. É provável que prevaleça na tragédia a intencionalidade do crime. Um crime incomum e bárbaro sob a fachada de uma confraternização na véspera natalina.
A questão é quem e por quê. Quem gostaria de ver um lar chacinado numa premeditação dissimulada e macabra, a partir de um café na cozinha?
Quem apresentaria tal sanha demoníaca de profanar uma sobremesa com propósito de matar?
Um incidente do passado recente da doceira, responsável pelas guloseimas dos tradicionais encontros, assume relevância: coincidentemente, o seu marido morreu por intoxicação alimentar em setembro. Ou seja, pelo mesmo motivo, o que não teria chamado atenção na época.
O antecedente a tornou suspeita, e a casualidade impôs a exumação do falecido. Ela perdeu sua casa na enchente de maio em Canoas e morava com a irmã Maida em Arroio do Sal.
Por outro lado, bem sabemos que o veneno pode ter sido posteriormente injetado no doce. Assim abre-se uma investigação paralela na Polícia Civil à procura de um desafeto da família ou alguém disposto a fazer uma vingança sem precedentes.
O que não ajuda muito é que os amigos e parentes atestam a felicidade e a harmonia daquela família, sem inimigos, sem rusgas e reclamações públicas, sem brigas e discussões recorrentes, com o histórico profissional ilibado, vinculado a uma escola de Canoas, no bairro Mathias Velho, e à Universidade La Salle.
A desgraça aconteceu na descontração praiana, no ato quase irresistível de provar uma sobremesa. Talvez tenha sobrevivido quem logo se deu conta de que algo havia de errado no sabor. Talvez tenha falecido quem repetiu suas fatias.
Aquele bolo pela metade é o que sobrou da tarde funesta.
Pelos exames periciais, que ficarão prontos na próxima semana, descobriremos a verdade. De todas as formas, intencionalmente ou acidentalmente, já se mostra, desde o início, uma verdade cruel e indigesta, com tantas vítimas pegas de surpresa.