A casa na praia representava exatamente uma década atrás de sua vida.
Tudo o que você aposentava de sua residência era mandado para o litoral. Tudo o que não prestava mais, tudo o que você substituía seguia para o litoral.
Se você estava em 1995, sua casa praiana mantinha a atmosfera intacta de 1985.
Tratava-se de uma experiência vintage forçada.
A geladeira era antiga, a televisão era antiga, o sofá era antigo. Você matava a saudade dos seus móveis e eletrodomésticos à beira-mar.
Como não tinha condições de montar um lar do zero, servia-se das bugigangas anteriores.
Foi o jeito que encontrou para mobiliar o ambiente, e não habitar um espaço vazio. Incorporava as interrupções e as falhas como parte natural do veraneio.
A geladeira barulhava. A televisão chuviscava. O sofá tinha remendos.
Você se lembrava de como vivia antes, sem conforto nenhum. Recuperava a sua pobreza.
Se, no banheiro da capital, contava com box e ducha quente, na praia se contentava com cortina floreada e um chuveiro mal-humorado, que dava choque no registro.
Se na capital desfrutava de uma cama King Size, na praia acabava rebaixado e dormia numa Queen.
Se os filhos possuíam seu quarto na capital, na praia dividiam dormitório com beliches e colchonetes.
A torradeira se mostrava frágil, o liquidificador não espremia frutas pesadas como o abacate, as panelas exalavam o cheiro de usadas, os talheres se desprendiam dos cabos.
Você equilibrava a mesa manca da sala com papel de jornal, completava os assentos para o almoço ou jantar com cadeiras de praia, empregava isopores como extensão do congelador.
Aprendia a se adaptar no túnel do tempo e exercitar o dobro da paciência para realizar suas tarefas domésticas. Concedia um desconto para a tecnologia.
Despedia-se dos controles remotos, das facilidades automáticas.
Sem máquina de lavar, voltava a esfregar as roupas na tábua do tanque.
Sem máquina de secar, voltava a se preocupar com a chuva e pendurar as peças no varal com prendedor de madeira.
Sem ar-condicionado, voltava a tolerar os ruídos das hélices do ventilador.
Sem micro-ondas, voltava a aquecer o leite na leiteira.
Sem cafeteira, voltava a coar o café a partir da chaleira.
O abridor de latas e o saca-rolhas devolviam sua motricidade fina.
Você perdia o contato com a furadeira e a faca elétrica.
Retomava o convívio com o martelo, com a tesoura, com a lâmina de barbear, com o cortador de grama, com os utensílios da sua pré-história.
Nem todas as tomadas funcionavam. Nem todas as luzes acendiam.
Seus trajes se resumiam a calção, camiseta e chinelo. Sequer levava calças, camisas e sapatos.
Deslocava-se no brechó de si mesmo, com as toalhas e o enxoval esturricados.
Não havia nada novo, não havia estreias, não havia inaugurações.
Sobrevivia assim, no sacrifício por algumas semanas, para garantir a mordomia das ondas.
A proximidade com o mar perdoava qualquer sufoco, qualquer cansaço, qualquer desvantagem.