Numa família grande, com quatro filhos, era difícil desfrutar do luxo.
Eu devo ter me sentido rico duas vezes na infância.
Nem sempre íamos para o litoral gaúcho durante as férias. Não tínhamos casa na praia. Dependíamos de aluguel ou da generosidade de parentes.
O final do ano costumava ser melancólico de aventuras. Na maior parte dos casos, no verão, fritávamos em Porto Alegre. Tanto que eu odiava a primeira redação do ano letivo: “como foram as suas férias?”. Não havia o que contar de diferente. Já a minha turma se mostrava bronzeada e cheia de histórias perto do mar.
Até que, de forma inesperada, em 1980, os pais nos avisaram que viajaríamos para o Rio de Janeiro. Todos juntos!
Nunca tinha andado de avião, nunca tinha frequentado hotel. Não sei o motivo, se os pais ganharam alguma bolada ou herança. Acabou sendo uma lua de mel para as crianças.
Naquele ano, eu lacrei de acontecimentos. Recebemos brindes da Varig, queimamos os pés na areia de Copacabana, brincamos de jacaré em ondas gigantes, rachamos um espelho num provador de loja, meu irmão caçula Miguel se perdeu numa Ipanema lotada, quebramos um vaso raro no apartamento de um poeta amigo do pai, conhecemos Fernanda Montenegro, subimos ao Corcovado, passeamos de bondinho no Pão de Açúcar, fomos ao jardim botânico, tomamos café no hotel com direito a nos servir à vontade, experimentamos pela primeira vez hambúrguer e fritas, dormimos com ar-condicionado.
Tratou-se de minha estreia na riqueza. Os pais não se lembram com muito orgulho dessa viagem, já que incomodamos bastante e não houve um intervalo de paz para que namorassem. Mas nós, irmãos, ficamos completamente encantados e emocionados. Entre acidentes e tombos, representou um dos raros flashbacks esnobes de nossa vida, em que ostentávamos mais assunto do que as vinte e cinco linhas exigidas pela composição escolar. Não sobrou espaço na folha, nem na memória.
O segundo momento raro de bonança na minha época de formação se deu quando a mãe decidiu assinar delivery de refrigerante. O caminhão vermelho da Coca-Cola passava semanalmente pelo nosso bairro, e estávamos na lista dos clientes.
Entrega de refrigerante na porta do lar? Parecia um sonho.
Os funcionários deixavam doze garrafas de guaraná. Tínhamos que guardar os cascos para a reposição de 7 em 7 dias. Mantínhamos os produtos estocados na estante da garagem. Só podíamos beber no final de semana.
Óbvio que não cumpríamos o prometido. Improvisávamos picolé de guaraná. Levávamos guaraná escondido na nossa térmica para o recreio. Distribuíamos guaraná para os nossos colegas durante o campeonato de botão, ou no jogo de caçador no pátio.
O guaraná se transformou progressivamente numa moeda para angariar novas amizades. Viabilizou o nosso período de maior sociabilidade. O povo fazia questão de nos visitar. Quase conseguimos ser populares na escola. Por muito pouco. Mais alguns meses, e já estariam os quatro namorando ao mesmo tempo.
Mas a mãe cancelou a assinatura porque a conta não fechava. Sempre faltavam garrafas para os almoços de domingo.