Um dos maiores patrimônios do casal é a intuição.
Quando o casal se ama, quando o casal se quer bem, depois de um longo tempo junto, ambos passam a sentir o outro mesmo na distância. Percebem se o outro está nervoso, tenso, aflito, ainda que se encontrem longe.
São calafrios, arrepios, pensamentos secretos, saudades sorrateiras, mensagens cardíacas.
Com base na convivência, começam a partilhar pressentimentos. Andam mais do que lado a lado: dentro a dentro. São dois interiores conversando sem parar.
É uma conexão que se estabelece a partir das memórias em comum, da confluência das afinidades, da superação das adversidades, dos lutos e desafios, dos problemas solucionados e do talento para compreender e perdoar, das tantas vezes que dividiram o leito e despertaram se olhando com admiração e ternura.
Quase como uma vizinhança emocional, uma convergência de desejos telepáticos.
Os sinais não ocorrem com todos os casamentos, a longevidade por si só não garante esse resultado. Depende do amor puro, do dom de se gostar em demasia.
Num acidente, num susto, num perigo, num dilema, a alma do seu par é remotamente acessada, numa espécie de Bluetooth definitivo.
É uma sensação estranha, uma desestabilização da normalidade, herdada da mais profunda intimidade: quando a existência de alguém torna-se tão importante quanto a sua.
A verdade é que não consegue ficar sem aquela companhia. E tudo que decorre daquele nome o interessa, e o sensibiliza, e o comove.
O poder irrompe da fragilidade, pois você procura criar elos indestrutíveis, além da razão, para suportar o medo da perda e o terror da finitude.
A cena costuma ser assim: aparentemente, você se preocupa à toa no meio da sua rotina, pois ainda não sabe de nenhum fato.
Por precaução, logo manda um WhatsApp ou telefona:
— Está tudo bem?
Por trás da pergunta inofensiva, existe uma alta carga profética — você tem consciência, por uma vidência amorosa, de alguma perturbação da ordem.
É algo até inexplicável, e talvez soe como um fenômeno paranormal. Os cônjuges que se adoram vão entender o que eu estou falando.
Ao atingir a total sintonia, você é capaz de adivinhar se o outro está precisando de sua ajuda. A necessidade faz a ponte.
Parece que aquilo que vem acontecendo com o outro está acontecendo com você. Você replica uma experiência, a ponto de reproduzi-la igual, a ponto de ter idênticos sintomas e pasmo.
Você descobre um jeito de proteger quem você ama na lonjura.
Trata-se de um chamado invisível da mais absoluta confiança, uma comunicação feita da ausência de palavras, provando que o apego é eletricidade.
Além da intuição que cada um possui, o casal desenvolve uma terceira intuição, como se fosse um filho.
Pela primeira vez, você vive em dois corpos.