Muitas mulheres não querem ser mãe para não repetir a mãe que tiveram, muitos homens não querem ser pai para não repetir o pai que tiveram.
Ou a inibição vem de um parâmetro negativo, para não reprisar traumas, ou de uma criação inspiradora, pelo medo de não chegar aos pés da figura tutelar.
O bom e o ruim são igualmente limitantes.
O ponto salutar é que você pode optar por ter ou não ter filhos, não existe mais a tirania da procriação como etapa fundamental para a realização pessoal.
Avançamos nesse aspecto. Antes, mulher sem filhos era vista como incompleta, pela metade. Ser pai representava um sinônimo de virilidade. Casal que não conseguia engravidar virava proscrito, excluído da família, fracassado em seu propósito de multiplicação e preservação do sobrenome. Por décadas, a palavra estéril produziu calafrios.
Acabou a obrigação de deixar um herdeiro. A exclusividade do lar perdeu seu domínio para as múltiplas fontes de felicidade. Verifica-se a possibilidade soberana de decidir o futuro. Não há mais aquele constrangimento social para garantir uma aceitação dos seus pares, condicionando-o a seguir o rebanho. Não há mais um único caminho coletivo, mas vias individuais de acordo com um estilo de vida.
Porém, cabe ajuizar a respeito da fobia de uma prole por paralelos de experiência.
A comparação se revela totalmente ineficaz. Recusar a paternidade ou a maternidade por não se parecer com o seu pai ou com a sua mãe é desconsiderar os tempos distintos de criação.
É impossível ser mãe hoje como no ideário dos anos 70. É impossível ser pai como na estrutura dos anos 70. O contexto modificou as funções.
Você não tem como se espelhar em quem estava inteiramente em casa (já que, diferentemente de você, a pessoa não trabalhava fora). Ou em quem se mostrava ausente e vivia viajando (já que, diferentemente de você, terceirizava a criação para o cônjuge).
Tanto a presença feminina quanto a ausência masculina decorrem de tipos comportamentais de um período específico, de um moralismo datado, com convenções de um casamento que não vigora mais.
São falsos dilemas.
É preciso ser pai e mãe na contemporaneidade, diante do excesso tecnológico e do fluxo de divisão de responsabilidades e tarefas.
Você irá enlouquecer se pretende conciliar uma carreira e dedicação total aos filhos.
A culpa por não dar o que recebeu não deve reinar. Será impraticável cozinhar para os filhos, faxinar, lavar e passar as roupas tendo um serviço fixo. É pedir demais. Não se sinta menos em relação às gerações anteriores.
Experimentamos a era das babás, das escolinhas e creches, do revezamento. E não há nenhum pesar em distribuir os cuidados para alcançar o sucesso profissional e afetivo.
Minha mãe me amamentou até os dois anos. Não deseje amamentar um filho até essa idade.
Como aspirar a se tornar um avô ou avó à moda antiga, por exemplo, se com 60 anos você ainda será profundamente ativo? A aposentadoria é cada vez mais rara e tardia.
Da mesma forma, se os seus pais foram prejudiciais, com brigas e discussões intermináveis, com um ambiente tóxico de desamor, entenda que o divórcio e a saúde mental constituíam tabus. Não se frequentava terapia preventivamente, semanalmente. Varriam-se os problemas para baixo do tapete ou para o coração das crianças. Não havia conhecimento sobre narcisismo, bipolaridade, borderline. Compreendíamos os surtos como manifestações de desprezo e rejeição.
Então, você tampouco corre o risco de se equiparar nos maus-tratos, pois desfruta de instrumentos para a auto-observação e melhoria da convivência.
Escolha não ter filhos por você, e nunca por receio de adotar os modelos extintos de seus antecessores.