A Polícia Rodoviária Federal (PRF) terminou a investigação interna contra três agentes que demoraram 85 horas para registrar um acidente com morte de uma adolescente, em 3 de março de 2019, na freeway, em Santo Antônio da Patrulha. Após mais um ano, a comissão entregou, ainda no mês de abril, o processo com uma sugestão ao superintendente da corporação no Rio Grande do Sul, Luis Carlos Reischak Júnior. Ele vai decidir até o final de maio a pena a ser aplicada.
A PRF não informou à GaúchaZH qual o entendimento que a comissão chegou. A corporação disse que ainda não divulgaria os termos "pois o entendimento da comissão pode não ser acatado, já que a autoridade pode mandar refazer o processo, caso haja alguma ilegalidade ou não se convencer que o processo foi adequado".
Ao longo de um ano e um mês, a PRF afirmou que foi apurada a conduta dos policiais na ocorrência por meio da "análise de documentos, mídias e uma série de diligências, incluindo a coleta de depoimento de 15 pessoas, em especial o de uma importante testemunha que demorou para ser encontrada". Entre elas, estavam caminhoneiros e motoristas que passaram pelo local da colisão naquela madrugada — em meio ao feriado de Carnaval — e presenciaram o ocorrido.
O término investigação foi adiado cinco vezes pela corporação. Em janeiro, o superintendente declarou à GaúchaZH que o "prazo está sendo o estritamente necessário para a completa e profunda elucidação dos fatos denunciados".
Em maio de 2019, o que ainda era uma sindicância interna ganhou o status de procedimento administrativo disciplinar após serem detectados "indícios de que tenha havido erro de conduta", de acordo com o corregedor da PRF no RS, Leandro Wacholtz.
Um dos agentes chegou a ser indiciado por prevaricação — que é quando um funcionário público deixa de realizar sua função. Depois, o nome dele foi retirado do processo principal para que responda ao judiciário federal. No indiciamento da Polícia Civil, o delegado Valdernei Tonete disse que o policial foi maleável em razão do motorista ser um médico.
Fatos investigados
À época do acidente, GaúchaZH confirmou que não foi feito o teste do bafômetro no motorista, o médico Leandro Toledo de Oliveira, nem no local do acidente e nem no hospital de Santo Antônio da Patrulha, onde ele foi levado para atendimento após apresentar um ataque de asma. Em depoimento, após serem investigados, os policiais declararam que ele recusou o teste. A informação, no entanto, não consta no boletim de ocorrência, registrado na Polícia Civil 85 horas após o acidente.
Em 19 de junho, a Justiça de Santo Antônio da Patrulha tornou o médico réu por homicídio doloso eventual — quando se assume o risco de matar — duplamente qualificado e outras três tentativas de homicídio. Segundo a denúncia, "bêbado e em alta velocidade", o acusado atingiu duas motocicletas na BR-290, a freeway, no dia 3 de março de 2019, causando a morte de Bárbara Andrielli Mendes de Moraes, 15 anos.
O processo ainda está em fase inicial e não foi realizada nenhuma audiência.
A batida do carro do médico com as duas motos também feriu o pai, a mãe e um amigo da família da adolescente, que viajavam juntos e foram arremessados com a força da colisão. A mãe da vítima quebrou os ossos de uma das pernas e até hoje não conseguiu voltar ao trabalho.
O médico responde em liberdade.
Linha do tempo
3/3/2019 – Batida na freeway mata Bárbara e fere seu pai, mãe e amigo. Testemunhas dizem que o motorista apresentava sinais de embriaguez. Médico, com CNH suspensa, declara ter crise de asma, é levado para hospital e liberado sem sequer comparecer em uma delegacia ou passar por bafômetro
6/3/2019 – Enquanto GaúchaZH procurava informações sobre o acidente com autoridades, o caso é registrado pela PRF na Polícia Civil, 85 horas depois. Nem sequer a assessoria de comunicação da corporação no Rio Grande do Sul sabia do ocorrido. A reportagem tem acesso ao documento e percebe que o médico não foi submetido ao teste do bafômetro. A PRF diz que vai abrir sindicância para apurar os fatos
7/3/2019 – Procurado pela reportagem, o delegado responsável pela investigação, Valdernei Tonete, afirma que o caso não será prioridade e será apurado "na medida do possível"
8/3/2019 – Após a entrevista, a chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor, determina que a delegacia priorize a investigação, diz que o delegado se enganou e oferece agentes para reforçar a equipe
14/3/2019 – Os três policiais rodoviários que atenderam o acidente prestam depoimento em sindicância interna para esclarecer o motivo na demora para registrar a ocorrência e de não submeter o motorista ao bafômetro
20/3/2019 – Defesa diz que médico envolvido em acidente com morte na freeway não sabia que estava com CNH suspensa e que ele não havia bebido
22/3/2019 – Mãe de adolescente recebe alta do hospital. Em junho, ela ainda apresenta dificuldades de locomoção
9/4/2019 – Médico é indiciado pela Polícia Civil, um mês e seis dias depois do acidente. Apesar de constatar embriaguez, polícia entende que o caso é um homicídio culposo – sem intenção de matar. Policial rodoviário é indiciado por prevaricação
12/4/2019 – Quatro dias após indiciamento, reportagem de GaúchaZH tem acesso ao inquérito. Até então, delegado não havia detalhado a investigação para a imprensa. Documento aponta que médico voltava de festa, supostamente embriagado e em alta velocidade
8/5/2019 – PRF entende que houve "possível erro de conduta" de agentes e abre processo que pode resultar em demissão de policiais. O prazo da apuração termina em julho
11/6/2019 – Ministério Público diverge da polícia e diz que médico cometeu homicídio com dolo eventual – assumindo o risco dos seus atos
19/6/2019 – Justiça torna réu motorista por homicídio qualificado com dolo eventual e três tentativas de homicídio
8/7/2019 - PRF pede 60 dias para finalizar processo contra policiais
10/9/2019 - Após seis meses, PRF pede mais 60 dias para terminar a investigação interna
6/11/2019 - Investigação contra policiais por demora de 85 horas para registro de acidente com morte é novamente adiada
20/1/2020 - Após 10 meses, PRF colhe depoimentos de agentes que demoraram 85 horas para registrar acidente com morte
3/3/2020 - Após um ano da morte, família da menina ainda aguarda término da investigação contra policiais e longo processo na Justiça