A Justiça de Santo Antônio da Patrulha tornou réu o médico Leandro Toledo de Oliveira, 38 anos, por homicídio doloso eventual – quando se assume o risco de matar – duplamente qualificado e outras três tentativas de homicídio. Segundo a denúncia, "bêbado e em alta velocidade", o acusado atingiu duas motocicletas na BR-290, a freeway, no dia 3 de março de 2019, causando a morte de Bárbara Andrielli Mendes de Moraes, 15 anos.
A batida da BMW X5 do médico nas duas motos também feriu o pai, a mãe e um amigo da família da adolescente, que viajavam juntos e foram arremessados com a força da colisão. A mãe da vítima tem recuperação demorada por ter quebrado os ossos de uma das pernas e até hoje não conseguiu voltar ao trabalho.
A denúncia, que aponta os agravantes de emprego de meio que resultou perigo comum (carro) e recurso que dificultou a defesa da vítima, foi aceita na terça-feira (18) pelo juiz Felipe Roberto Palopoli, oito dias depois do oferecimento pelo Ministério Público. Na decisão, ele determina que o médico compareça mensalmente ao fórum para informar e justificar as atividades e manter o endereço atualizado, proíbe que se ausente da cidade em que mora sem autorização, e suspende a habilitação para dirigir veículos.
O juiz levou em consideração a suspeita de o motorista estar dirigindo embriagado, apontada por testemunhas desde o início da investigação. Também ponderou que ele já estava com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa por, em outra oportunidade, ter sido flagrado também conduzindo embriagado:
"Dessa forma, considerando que sequer a penalidade administrativa já sofrida pelo réu lhe impediu de voltar a conduzir veículos sob efeito de álcool, verifico imperiosa a necessidade de imposição de medidas cautelares diversas da prisão, a fim de frear seu comportamento danoso e evitar a reiteração delitiva", escreveu o juiz.
A defesa do médico tem 10 dias para responder à Justiça. Em nota, o advogado do motorista, Guilherme Volante, escreveu:
"Sigo reforçando acerca da fraca demonstração da suposta embriaguez, e que uma recusa do bafômetro em 2016 não pode ser levada em conta para rotular – ou definir seu comportamento como motorista – o meu cliente, até mesmo porque na época sequer existia o art. 165-A , que trata da recusa como uma infração 'autônoma'. Até agora o que existe são meras suposições, e que no momento exato do acidente nenhuma autoridade ou especialista atestou."
Na mesma decisão, o magistrado preferiu não apreciar a acusação de prevaricação contra o policial rodoviário federal Leandro André Nyland. Ele foi indiciado pela Polícia Civil por não ter aplicado o teste do bafômetro no médico. O juiz entende que o caso deve tramitar na Justiça Federal.
Uma sindicância da corregedoria da PRF no RS apontou "possível erro de conduta" de todos os policiais que estiveram no local do acidente e o responsável pela equipe, que estava em uma base da PRF. Os três não foram afastados das funções, mas respondem a procedimento que pode resultar até em suas demissões.
O caso Bárbara
A colisão que matou Bárbara ocorreu na madrugada de 3 de março, domingo de Carnaval. Ela e um amigo da família viajavam em uma motocicleta, e o pai e a mãe dela, em outra. A família visitaria a avó da garota, no domingo, e viajava na madrugada porque o pai trabalharia no outro dia.
As duas motos foram atingidas por trás pela BMW do médico, lançando-os longe com a força da batida. A menina não resistiu aos ferimentos. Os pais e o amigo foram hospitalizados e já receberam alta. O médico, que estava com a CNH suspensa por ter sido flagrado dirigindo supostamente embriagado, foi liberado após ir para um hospital.
O caso não havia sido comunicado à imprensa e à Polícia Civil pela PRF, até GaúchaZH procurar os órgãos competentes. A ocorrência foi registrada enquanto a reportagem buscava informações sobre o acidente.
Após a batida, o delegado Valdernei Tonete disse à reportagem que investigaria "na medida do possível" e que não era prioridade no distrito policial. Após a manifestação, a chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor, ordenou que o caso fosse solucionado o mais rápido possível. O órgão também disponibilizou agentes e equipamento para a delegacia.
Linha do tempo
3/3/2019 – Batida na freeway mata Bárbara e fere seu pai, mãe e amigo. Testemunhas dizem que o motorista apresentava sinais de embriaguez. Médico, com CNH suspensa, declara ter crise de asma, é levado para hospital e liberado sem sequer comparecer em uma delegacia ou passar por bafômetro.
6/3/2019 – Enquanto GaúchaZH procurava informações sobre o acidente com autoridades, o caso é registrado pela PRF na Polícia Civil, 86 horas depois. Nem sequer a assessoria de comunicação da corporação no Rio Grande do Sul sabia do ocorrido. A reportagem tem acesso ao documento e percebe que o médico não foi submetido ao teste do bafômetro. A PRF diz que vai abrir sindicância para apurar os fatos.
7/3/2019 – Procurado pela reportagem, o delegado responsável pela investigação, Valdernei Tonete, afirma que o caso não será prioridade e será apurado "na medida do possível".
8/3/2019 – Após a entrevista, a chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor, determina que a delegacia priorize a investigação, diz que o delegado se enganou e oferece agentes para reforçar a equipe.
14/3/2019 – Os três policiais rodoviários que atenderam o acidente prestam depoimento em sindicância interna para esclarecer o motivo na demora para registrar a ocorrência e de não submeter o motorista ao bafômetro.
22/3/2019 – Mãe de adolescente recebe alta do hospital. Em junho, ela ainda apresenta dificuldades de locomoção.
9/4/2019 – Médico é indiciado pela Polícia Civil, um mês e seis dias depois do acidente. Apesar de constatar embriaguez, polícia entende que o caso é um homicídio culposo – sem intenção de matar. Policial rodoviário é indiciado por prevaricação.
12/4/2019 – Quatro dias após indiciamento, reportagem de GaúchaZH tem acesso ao inquérito. Até então, delegado não havia detalhado a investigação para a imprensa. Documento aponta que médico voltava de festa, supostamente embriagado e em alta velocidade.
8/5/2019 – PRF entende que houve "possível erro de conduta" de agentes e abre processo que pode resultar em demissão de policiais. O prazo da apuração termina em julho.
19/6/2019 – Justiça torna réu motorista por homicídio qualificado com dolo eventual e três tentativas de homicídio.