A Polícia Rodoviária Federal (PRF) terminou, na última semana, a tomada de depoimentos no inquérito interno que investiga três agentes pela demora de 85 horas para registrar um atropelamento com morte na freeway. A colisão matou a adolescente Bárbara Andrielli Mendes de Moraes, 15 anos, em 3 de março de 2019.
A comissão responsável pela apuração, composta por três policiais, ouviu por último os três agentes que compunham a guarnição responsável por atender o acidente. Os investigadores tentam entender os motivos pelos quais foram adotados procedimentos fora do padrão pelo trio de policiais.
Também foram ouvidos, ao longo dos últimos meses, outras 12 pessoas. Entre elas, caminhoneiros e motoristas que presenciaram o acidente ao passar pelo trecho de Santo Antônio da Patrulha. Um dos condutores mora no Rio de Janeiro e foi necessária uma autorização da superintendência fluminense da corporação para que ele fosse ouvido naquele Estado.
A partir de agora, a PRF irá produzir o relatório final da apuração, que poderá culminar com o indiciamento dos três policiais. Ainda haverá tempo para que a defesa dos policiais se manifeste, em um intervalo de vinte dias a contar da possível intimação. Pelos prazos, há possibilidade de que a apuração interna seja concluída mais de um ano depois da colisão fatal.
GaúchaZH tentou falar com o corregedor da corporação no Rio Grande do Sul, que informou que só se manifestaria após a conclusão do procedimento administrativo disciplinar. Para o superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Luís Carlos Reischak, o "prazo está sendo o estritamente necessário para a completa e profunda elucidação dos fatos denunciados".
— Salienta-se que o Processo Administrativo Disciplinar não tem por finalidade apenas apurar a culpabilidade do servidor acusado de infração, mas, também, garantir-lhe o contraditório e a ampla defesa. É o instrumento destinado à completa apuração disciplinar na esfera administrativa, e contempla sindicância, instrução, defesa, relatório e julgamento — disse, em nota, o superintendente.
O Ministério Público Federal (MPF) acompanha a investigação e aguarda o entendimento da comissão para então tomar providências.
A investigação já foi adiada quatro vezes desde que foi aberta. Em maio de 2019, o que ainda era uma sindicância interna ganhou o status de procedimento administrativo disciplinar após serem detectados "indícios de que tenha havido erro de conduta", de acordo com o corregedor da PRF no RS, Leandro Wacholtz.
Um dos agentes chegou a ser indiciado por prevaricação — que é quando um funcionário público deixa de realizar sua função. Depois, o nome dele foi retirado do processo principal para que responda ao judiciário federal. No indiciamento da Polícia Civil, o delegado Valdernei Tonete disse que o policial foi maleável em função do motorista ser um médico.
Fatos investigados
À época do acidente, GaúchaZH confirmou que não foi feito o teste do bafômetro no motorista - o médico Leandro Toledo de Oliveira-, nem no local do acidente e nem no hospital de Santo Antônio da Patrulha, onde ele foi levado para atendimento após apresentar um surto de asma. Em depoimento, após serem investigados, os policiais declararam que ele recusou o teste. A informação, no entanto, não consta no boletim de ocorrência, registrado na Polícia Civil 85 horas após o acidente.
Em 19 de junho, a Justiça de Santo Antônio da Patrulha tornou o médico réu por homicídio doloso eventual — quando se assume o risco de matar — duplamente qualificado e outras três tentativas de homicídio. Segundo a denúncia, "bêbado e em alta velocidade", o acusado atingiu duas motocicletas na BR-290, a freeway, no dia 3 de março de 2019, causando a morte de Bárbara Andrielli Mendes de Moraes, 15 anos.
O processo ainda está em fase inicial e não foi realizada nenhuma audiência.
A batida do carro do médico com as duas motos também feriu o pai, a mãe e um amigo da família da adolescente, que viajavam juntos e foram arremessados com a força da colisão. A mãe da vítima quebrou os ossos de uma das pernas e até hoje não conseguiu voltar ao trabalho.
O médico responde em liberdade.
Linha do tempo
3/3/2019 – Batida na freeway mata Bárbara e fere seu pai, mãe e amigo. Testemunhas dizem que o motorista apresentava sinais de embriaguez. Médico, com CNH suspensa, declara ter crise de asma, é levado para hospital e liberado sem sequer comparecer em uma delegacia ou passar por bafômetro.
6/3/2019 – Enquanto GaúchaZH procurava informações sobre o acidente com autoridades, o caso é registrado pela PRF na Polícia Civil, 85 horas depois. Nem sequer a assessoria de comunicação da corporação no Rio Grande do Sul sabia do ocorrido. A reportagem tem acesso ao documento e percebe que o médico não foi submetido ao teste do bafômetro. A PRF diz que vai abrir sindicância para apurar os fatos.
7/3/2019 – Procurado pela reportagem, o delegado responsável pela investigação, Valdernei Tonete, afirma que o caso não será prioridade e será apurado "na medida do possível".
8/3/2019 – Após a entrevista, a chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor, determina que a delegacia priorize a investigação, diz que o delegado se enganou e oferece agentes para reforçar a equipe.
14/3/2019 – Os três policiais rodoviários que atenderam o acidente prestam depoimento em sindicância interna para esclarecer o motivo na demora para registrar a ocorrência e de não submeter o motorista ao bafômetro.
22/3/2019 – Mãe de adolescente recebe alta do hospital. Em junho, ela ainda apresenta dificuldades de locomoção.
9/4/2019 – Médico é indiciado pela Polícia Civil, um mês e seis dias depois do acidente. Apesar de constatar embriaguez, polícia entende que o caso é um homicídio culposo – sem intenção de matar. Policial rodoviário é indiciado por prevaricação.
12/4/2019 – Quatro dias após indiciamento, reportagem de GaúchaZH tem acesso ao inquérito. Até então, delegado não havia detalhado a investigação para a imprensa. Documento aponta que médico voltava de festa, supostamente embriagado e em alta velocidade.
8/5/2019 – PRF entende que houve "possível erro de conduta" de agentes e abre processo que pode resultar em demissão de policiais. O prazo da apuração termina em julho.
19/6/2019 – Justiça torna réu motorista por homicídio qualificado com dolo eventual e três tentativas de homicídio.
06/11/2019 - Investigação contra policiais por demora de 85 horas para registro de acidente com morte é novamente adiada
20/01/2019 - Após 10 meses, PRF colhe depoimentos de agentes que demoraram 85h para registrar acidente com morte